Jair Nguni |
"Genocídio da Juventude Negra em Campina Grande: cadê o Plano Municipal de Enfrentamento à Violência Contra Jovens Negros?
Segundo o Guia do Plano Juventude Viva do Governo Federal, os Centros de Iniciação ao Esporte fazem parte das ações sociais
do Plano Juventude Viva do Governo Federal, plano este,
que deve ser voltado prioritariamente para o enfrentamento à violência
contra a juventude negra, bem como para empoderar através de ações
educativas, culturais e esportivas os moradores
das periferias em situação de vulnerabilidade social. O que é que tem a ver tudo isso com a juventude negra de nossa cidade?
O leitor
deste texto precisa saber que não foi por sensibilidade do Prefeito
Romero Rodrigues que esse plano do Governo Federal veio para a nossa
cidade. O município de Campina Grande
aderiu ao Plano Juventude Viva em setembro de 2013 pelo
fato de nossa cidade ser uma das mais violentas do Brasil e do mundo.
Teve que aderir, na verdade, por conta das
constantes pressões, lutas e cobranças do Movimento Negro
de nossa cidade junto ao poder público local, já que jamais iríamos
ficar calados diante dos dados absurdos e inaceitáveis do DATASUS do
Ministério da Saúde em que a nossa cidade
aparece vergonhosamente como a vigésima sexta onde se mata mais jovens
negros, entre 15 e 29 anos de idade no Brasil. Para a Prefeitura
municipal governada pelo PSDB, seria moralmente insustentável não aderir
a esse plano. Assim sendo, vejo a vinda do Plano
Juventude Viva para a nossa cidade como mais uma grande conquista
política do Movimento Negro de Campina Grande nos seus mais de 29 anos
de atuação contra o racismo e defesa da cidadania plena para a nossa
população negra.
Não temos dúvidas,
portanto, de que foram as inúmeras ações contra o racismo e combate
permanente ao genocídio da juventude negra por meio de entrevistas na
imprensa, de seminários e passeatas que fizeram com
que a Prefeitura municipal pactuasse junto ao Governo Federal a vinda
do Plano Juventude Viva. Ora, só no ano de 2012 houve em Campina Grande o
Fórum de Lideranças Negras da Paraíba no qual debatemos amplamente com
estudantes e professores no IFPB a realidade
social da juventude negra. Depois desse importante evento realizado na
época pela Malungos, tendo na frente da organização desse Fórum o senhor
Carlos Henrique. Lembro-me que de forma pioneira e ousada fizemos na
Avenida Floriano Peixoto uma bela passeata
com capoeiristas e quilombolas, justamente para denunciar o genocídio
da juventude negra no encerramento do Primeiro Seminário Agosto Para a
Igualdade Racial ainda em 2012.
A
verdade tem que ser dita. O governo municipal do PSDB que não tem
políticas públicas para combater o genocídio da juventude negra precisa
ser denunciado junto
ao Governo Federal. É que aqui na nossa Campina Grande, cidade
governada pelo Prefeito Romero Rodrigues do PSDB está sendo construído o
Parque da Liberdade para que os moradores de bairros como Quarenta,
Rosa Cruz e Liberdade possam ter acesso ao lazer, esporte
e, por conseguinte, a uma melhor qualidade de vida. Não sou contra a
construção desse Parque da Liberdade para beneficiar os moradores da
zona sul do nosso município. O que não aceito é saber que outros bairros
de maioria negra e parda como Jeremias, Catingueira,
Mutirão, bairro das Cidades, Araxá, Jardim Continental, Catolé de Zé
Ferreira, Ramadinha e outros que fazem parte dos bairros e territórios
considerados de grande vulnerabilidade social foram mais uma vez
esquecidos pelos gestores públicos. E isso contraria frontalmente
todos os princípios e eixos sociais adotados pelo Plano Juventude Viva,
visando à desconstrução dessa cultura de violência que atinge de
maneira
contundente os jovens negros e pardos das periferias e centros urbanos do Brasil.
“O Plano Juventude Viva deverá atuar sobretudo
nos territórios que apresentam um histórico de elevados
índices de homicídios de jovens negros.” Essas palavras podem ser lidas
no Guia do plano em tela. O problema é que esse Parque da Liberdade que
vai abrigar o Centro de Iniciação
ao Esporte está sendo construído no quintal da classe média branca do Bairro da Liberdade, contrariando todas as
diretrizes do Plano Juventude Viva na gestão do
Prefeito tucano Romero Rodrigues. Portanto, o poder público
municipal comete um grande crime administrativo ao levar o Centro de
Iniciação ao Esporte para uma área central de nossa cidade. As
periferias de Campina Grande, infelizmente, sempre ficam
esquecidas pelos gestores públicos e isso faz com que
essa modernização racista e assimétrica continue perpetuando o
genocídio da juventude negra e uma sociedade claramente injusta,
profundamente racista e violenta
do ponto de vista social e racial. Cadê o Conselho Municipal de
Juventude dessa cidade? Cadê o Comitê Gestor do Plano Juventude Viva de
Campina Grande, com a participação da
sociedade civil? Cadê os Vereadores dessa cidade que não fiscalizam as obras públicas?
O Movimento Negro de Campina Grande desde o ano de 2012 que vem
alertando o poder público para a necessidade de enfrentarmos a violência
que atinge de forma muito mais contundente a juventude negra nas
periferias de nossa cidade. Entretanto, o atual
governo municipal do PSDB mostra-se inteiramente arrogante e ainda
fecha seus ouvidos para não ouvir e sentir as dores e sofrimentos dos
jovens afrodescendentes moradores de bairros
desestruturados socialmente e com um histórico de
altos índices de letalidade de jovens negros, entre 15 e 29 anos
de idade. O bairro do Pedregal, por exemplo, é uma dessas comunidades de
maioria negra e mestiça onde mortes de jovens são constantes.
Sintomaticamente é nesse bairro onde não se tem academia
popular, parque, quadra esportiva, teatro, museus, cinema, etc. A
Prefeitura municipal na gestão do PSDB, infelizmente, não priorizou o
bairro do Pedregal em suas ações sociais voltadas para o lazer, arte,
cultura e esporte, até o término desse texto.
Nesse bairro de Campina grande, considerado socialmente e
geograficamente dentro do espaço urbano campinense, como um aglomerado
subnormal, as oportunidades de trabalho, lazer e estudo sempre foram
negadas e restritas historicamente para a maioria de
seus jovens negros e pardos. Dentro dessa realidade social, obviamente, existe uma clara e direta relação com os altos índices de letalidade de
jovens nessa comunidade, pois só no ano de
2010 ocorreram 17 óbitos no bairro do Pedregal de jovens na sua maioria
negros e pardos, entre 15 e 29 anos de idade, como podemos observar nos
dados do Núcleo de Análise Criminal e Estatística da Secretaria de Segurança Pública e da Defesa Social, órgão
ligado à estrutura do governo estadual da Paraíba.
Ainda com base nos dados estatísticos sobre crimes violentos
pesquisados por esse Núcleo de Análise Criminal e Estatística. A cidade
de Campina Grande aparece em segundo lugar como o município
mais violento do nosso estado,visto que só no ano de 2013 foram
93 homicídios e em 2014 foram 100 assassinatos contra vítimas de 15 a 29
anos de idade. O relatório desse núcleo do governo estadual da Paraíba é
algo assustador, pois ele demonstra a mais
completa omissão do Estado brasileiro em levar segurança pública de
qualidade, equipamentos de lazer e esporte, água encanada, saneamento
básico e habitação digna para os moradores de bairros onde violência
rima com falta de qualidade de vida e ausência de
políticas públicas. Vejamos, assim, quais são os bairros onde ocorreram
mais crimes violentos letais no
ano de 2014 em Campina Grande contra jovens de 15 e 29
anos de idade. São eles: Distrito de São José da Mata (7 mortes), José
Pinheiro (6 mortes), bairro das Cidades (6 mortes), Monte Santo ( 5
mortes), Bodocongó (5 mortes), Malvinas
(5 mortes), Serrotão (4 mortes), Três Irmãs (4 mortes),
Santa Rosa (4 mortes), Monte Castelo (4 mortes). Como podemos perceber,
se quer o bairro da Liberdade onde será construído um belo parque e o
Centro de Iniciação ao Esporte aparece
entre os bairros com altos índices de crimes contra a pessoa humana.
Ora, o bairro da Liberdade, para quem o conhece, é uma área muito
valorizada no espaço urbano campinense, visto que ele fica bem próximo
do centro de nossa cidade e ainda é dotado de uma ótima infraestrutura
social e urbana, contando com várias escolas
e creches públicas, quadra de esporte, farmácia popular, ruas
pavimentadas e calçadas e
com uma rede de esgotamento sanitária bem estruturada em 99% de suas ruas. Em época de eleição municipal o que conta mesmo é
a densidade eleitoral do bairro e isso o bairro da liberdade por
ser populoso sempre foi alvo prioritário das oligarquias locais. Assim
sendo, posso dizer que a escolha desse bairro para receber uma ação
social do Plano Juventude Viva foi eleitoreira
dentro do projeto criminoso de poder do governo do PSDB. Enquanto tudo
isso ocorre sob os olhos coniventes e omissos de uma certa militância do
movimento negro campinense,
aquela mesma que se diz “séria e honesta”, mas que nunca prestou
contas do I Encontro Estadual do Movimento Negro Paraibano, evento
realizado no ano de 1998 sob a Coordenação de um integrante dessa mesma
militância cooptada pela oligarquia Cunha Lima.
A juventude negra morre diariamente nas periferias pela omissão do
poder público municipal. Mas, todos nós aqui que fazemos militância de
forma verdadeiramente séria, honesta e independente compreendemos o
silêncio constrangedor dessa certa militância cooptada
pelo grupo Cunha Lima. É que esses que dizem que são “sérios e
honestos” no Movimento Negro de Campina Grande não podem desagradar ao
seu patrão tucano, ocupando cargos no poder executivo e ainda fazendo do
sangue da juventude negra moeda de troca para manter-se
ao lado de quem oprime a população negra de nossa cidade.
Com relação à implantação dos 10 PELCS em Campina
Grande. É verdade que diversas matérias foram divulgadas em portais e
site da própria Prefeitura dizendo que o Projeto de Esporte e Lazer na
Cidade iria chegar em 7 bairros e nos
três distritos daqui, priorizando sobretudo jovens e crianças em
situação de risco social e vulnerabilidade. Até agora nada foi
implantado nas periferias do nosso município e em nenhum distrito. Os
PELCS fazem parte das ações do Plano Juventude Viva e são
políticas públicas universalistas voltadas para o atendimento de
crianças, idosos e jovens. Espero que dessa vez as periferias e
territórios negros sejam contemplados por esse
eixo do Plano Juventude Viva. Para tanto,
vou ficar de olho na implantação dos PELCS e qualquer manobra desse
governo tucano que desvie das diretrizes do Plano será de pronto
publicizada e denunciada por mim junto
aos movimentos negros e sociedade campinense.
Enquanto Campina Grande não tem seu Plano Municipal de
Enfrentamento à Violência Contra a Juventude Negra, a nossa cidade
aparece vergonhosamente na quadragésima colocação como uma das cidades
mais violentas do mundo, com uma taxa de 36, 04 homicídios
para cada 100 mil habitantes, segundo a ONG mexicana Conselho Cidadão
para a Segurança Pública e Justiça Penal. É claro que toda essa
violência tem cor, território e idade em Campina Grande, visto que a
maioria de suas vítimas são os jovens negros e pardos
moradores de favelas, becos, vielas e periferias. Portanto, quando vejo
que o Centro de Iniciação ao Esporte não vai beneficiar diretamente a
nossa juventude negra moradora das periferias.
Podemos, diante do que foi exposto, afirmar
que o genocídio da juventude negra vai aumentar na nossa cidade
por conta desse verdadeiro crime administrativo na gestão do Prefeito
Romero Rodrigues do PSDB.
E aí cabe- nos fazer a seguinte pergunta: quem é que vai pagar por isso?"
Autor: Jair Nguni- historiador e militante do Movimento Negro de Campina Grande\PB.
Parabéns Jair!!!! Excelente texto, advindo de sua militância no Movimento Negro de Campina Grande. Temos em nossas mãos uma reflexão de excelente qualidade, provido de argumentos sólidos, objetivos e claros, dada a propriedade com que trata o assunto. O que importa é conclamar a sociedade campinense e os políticos para cumprirem com o seu papel, no que se refere à garantia de vida à comunidade negra de Campina Grande, em razão de ter aumentado vertiginosamente o crescente número de genocídio da juventude negra em nossa cidade.
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