quarta-feira, 3 de setembro de 2025

AS VIDAS QUE NÃO SE CHORAM

 


AS VIDAS QUE NÃO SE CHORAM


Ainda no início da leitura da obra de Judith Butler intitulada "Quadros de Guerra. Quando a Vida é Passível de Luto?", mas já de início já colocadas as seguintes questões?

 1. Existe um direito à vida? Como? Se toda vida é perecível e vulnerável? Quem determina a existência de uma vida como no caso das discussões sobre aborto? Células-tronco são células vivas. Teriam mais utilidade ou validade que um embrião? 2. Todas as vidas são vulneráveis. Mas somente algumas são vulnerabilizadas por critérios sociais, econômicos. etc, e por isso, nem todas as vidas são "choradas", são "enlutadas", porque ao negarem a natureza de "vida", elas inexistem para o todo; 3. O adomercimento da esquerda para a utilização das pautas minoritárias, e aí Butler cita a pauta feminista, para justificar a biopolítica sobre corpos determinados. 

A autora cita o exemplo da utilização da pauta identitária feminista para justificar a perseguição aos muçulmanos. De fato, se observarmos o discurso contra povos, a exemplo dos palestinos e outros cuja maioria professe a religião islâmica, discursos identitários ligados à pauta feminista e LGBT são instrumentalizados nesse sentido, como se pudesse haver a partir daí uma legitimação das mortes. Quais mortes? Se são vidas vulnerabilizadas e que não podem ser objeto de luto? 

As vidas que devem ser choradas, quando perdidas, são tomadas a partir de critérios políticos, ideológicos, menos do ponto de vista correto: é uma vida que merece proteção, porque toda vida é vulnerável, passível de morrer, porém, certas situações deixam-nas em situação de vulnerabilidade maior. 

Se a extrema-direita não chora a morte de milhares de palestinos em Gaza, usando a pauta identitária feminista e LGBT, por exemplo, para legitimar o discurso contra a existência desse povo, a extrema-esquerda, que na prática se mostra antissemita, tentando se legitimar na luta contra o colonialismo, também não se comoveu com a morte e estupro de israelenses em 7.10.2023, onde crianças foram sacrificadas de forma cruel, mulheres estupradas em público, etc. É o político, as conveniências políticas dirão quando vidas palestinas e israelenses devem ser choradas, enlutadas.

E no Brasil? Não vou voltar a abordar a instrumentalização das pautas identitárias pelo STF enquanto desmonta os direitos sociais, sem precedentes, diga-se de passagem. Temos outro exemplo citando o STF. Como uma pessoa leiga vai provar a eficácia de um remédio contra o câncer, por exemplo, para que possa ter os seus direitos fundamentais à vida e à saúde respeitados? Se há judicialização é porque já houve a lesão de um direito pelo Estado que falhou no fornecimento pelo SUS. E a pessoa doente e leiga terá que provar a eficácia científica de uma medicação, inclusive já aprovada pela ANVISA, caso não esteja na lista do SUS. Enquanto isso, pessoas definham.

As pautas identitárias são constantemente utilizadas pela extrema-direita, pelo neoliberalismo, para justificar e legitimar a invisibilidade de vidas que deveriam ser enlutadas, consideradas perdidas. 

Vou prosseguir na leitura de Butler. E entender o porquê mesmo com a adoção correta de pautas identitárias, como a que denuncia a necropolitica contra a população negra, o Estado não entrega políticas públicas eficientes. Com exceção das políticas afirmativas para cotas, como vão as políticas para o segundo teste do pezinho, tratamento de pessoas afrodescentes com traço ou anemia falciforme, problemas de saúde com maior incidência na população afrodescendente, questões específicas da saúde da mulher negra, etc?

Muitas são as vidas que por decisões políticas são invisibilizadas e por "não existirem não são passíveis de luto. Quando incômodas, utilizam-se pautas identitárias ou discursos para legitimar mortes.


Laura Berquó

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