REPRISTINAÇÃO NO DIREITO BRASILEIRO COM A LEI DE 20 DE OUTUBRO DE 1821: O RETORNO ÀS LEIS DO BRASIL COLÔNIA
Hoje, 04.09, a Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro completa 83 anos. Em 2010 teve seu nome modificado para o atual, sendo denominada inicialmente de Lei de Introdução ao Direito Civil. De fato, a partir do artigo 7°, a legislação passa a tratar especificamente de Direito Internacional Privado, sendo os artigos antecedentes dedicados ao estudo do Direito Intertemporal.
A legislação citada surge a partir do Estado Novo com a edição do Decreto-Lei n.° 4657, de 04.09.1942. Decretos-Leis passaram a ser utilizados a partir da Carta de 1937 (arts. 12, 13 e 72, b) não sendo mais possível a partir da Constituição Federal de 1988, recepcionando-se aqueles que não estivessem em desalinho com a nova ordem constitucional. Os decretos-leis, pela leitura do art. 12 da Carta de 1937, tinham natureza análoga à lei delegada. A LINDB serviu como solução- resposta à grande onda imigratória pós-Proclamação da República que durou até os anos 1930.
No caso, chamamos a atenção especificamente da previsão da possibilidade da utilização da repristinação, prevista no art. 2°, § 3° da LINDB, mas em período histórico muito anterior. Embora rara, houve uma avalanche repristinatória no Direito brasileiro, sendo quiça, o primeiro caso de repristinação em 1823.
O grande criminalista pernambucano Anibal Bruno cita que houve a revogação temporária de penas cruéis como degredo, infâmia, tortura, dentre outras previstas no Livro V das Ordenações Filipinas com o advento das Bases da Constituição Política da Monarquia Portuguesa de 10 de março de 1821, art. 12. As Bases eram o instrumento legal de natureza liberal que colocava fim na forma arbitrária e cruel de punições aos reinícolas. Houve, porém, a restauração das penas cruéis pela Lei de 20 de Outubro de 1823. O Brasil já era Império ao tempo da repristinação das Ordenações Filipinas que em matéria penal vigorou até o Código Criminal de 1830.
O que chama a atenção é para o formato materialmente constitucional das Bases da Constituição Política da Monarquia Portuguesa, com o respeito aos direitos individuais, como por exemplo a individualização da pena, excluindo a punição por infâmia para filhos e netos de criminosos.
Ocorre que apesar de rara no ordenamento brasileiro, o que se viu com a Lei de 20 de outubro de 1821 foi um grande fenômeno repristinatório de leis como será mostrado no final. Mas no que tange às Bases, surge uma outra problematização.
Considerando que desde dezembro de 1816 o Brasil já tinha sido elevado à natureza de Reino Unido, podemos especular que as Bases da Constituição Política da Monarquia Portuguesa foram a primeira Constituição brasileira, rompendo com uma proposta absolutista de Estado monárquico?
Não podemos. Porque as Bases da Constituição Política da Monarquia Portuguesa só entraram em vigor em todo território nacional em 8.6.1821, tendo sido La Pepa, a Constituição de Cádiz de 1812 a primeira, vigorando apenas 1 dia, publicada em 21.04.1821 e revogada em 22.04.1821 por Dom João VI, senão vejamos:
"Decreto de 22 de abril de 1821
Subindo hontem á Minha Real presença uma Representação, dizendo-se ser do Povo, por meio de uma Deputação formada dos Eleitores das Parochias, a qual Me assegurava, que o Povo exigia para Minha felicidade, e delle, que Eu Determinasse, que de hontem em diante este Meu Reino do Brazil fosse regido pela Constituição Hespanhola, Houve então por bem decretar, que essa. Constituição regesse até a chegada da Constituição, que sàbia e socegadamente estão fazendo as Côrtes convocadas na Minha muito nobre e leal Cidade de Lisboa: Observando-se porém hoje, que esta Representação era mandada fazer por homens mal intencionados, e que queriam a anarchia, e vendo que o Meu Povo se conserva, como Eu lhe agradeço,. fiel ao Juramento que Eu com elIe de commum accordo prestamos na Praça do Rocio no dia 26 de Fevereiro do presente anno; Hei por bem determinar, decretar, e declarar por nullo todo o Acto feito hontem; e que o Governo Provisorio que fica. até a chegada da Constituição Portugueza, seja da forma que determina o outro Decreto, e Instrucções que Mando publicar com a mesma data deste, e que Meu filho o Princípe Real ha de cumprir e sustentar até chegar a mencionada Constituição Portugueza.
Palacio da Boa Vista aos 22 de Abril de 1821.
Com a rubrica de Sua Magestade."
Meses depois temos o Decreto de 8.6.1821 que instituiu as Bases:
"Tendo Eu adaptado, e jurado as Bases da Constituição Portugueza, para terem observancia neste Reino do Brazil, servindo provisoriamente de Constituição, na fórma que determinarem as Côrtes Geraes e Constituintes para os Reinos de Portugal e Algarves, pelo Seu Decreto de 9 de Março do corrente anno, e mandado já expedir as ordens necessarias ao Senado da Camara, Tribunaes e mais Estações desta Cidade e Camaras da Provincia, para todas as Autoridades Ecclesiasticas, Civis, Militares, e outros Empregados Publicos prestarem o mesmo juramento: E sendo necessario, que as sobreditas Bases da Constituição igualmente se jurem e publiquem nas mais Provincias deste Reino, para, depois e juradas e publicadas, ficarem todos sujeitos á sua observancia: Hei por bem que, pela Chancellaria desta Côrte e Reino do Brazil, se expeçam a todas as terras deste Reino este Decreto, e mencionadas Bases por exemplares impressos, para que sendo nellas publicadas na fórma ordinaria, e chegando á noticia de todos, se preste nas demais Provincias deste Reino o juramento como se prestou aqui. O Dr. Pedro Machado de Miranda Malheiros, do Conselho de El-Rei Meu Senhor e Pai, Desembargador do Paço, e Chanceller Mór da Côrte e Reino do Brazil o tenha assim entendido e faça executar. Paço em 8 de Junho de 1821.
Com a rubrica do Principe Regente.
Pedro Alvares Diniz."
Infere-se, portanto, que as Bases da Constituição Política da Monarquia Portuguesa são a segunda Constituição, sendo a de Cádiz ou Espanhola a primeira.
No que tange ao instituto da repristinação em si, segue o caso citado sobre repristinação de toda legislação anterior da Colônia pela Lei de 20 de outubro de 1823, em especial ao período anterior a 25.04.1821:
"Declara em vigor a legislação pela qual se regia o Brazil até 25 de Abril de 1821 e bem assim as leis promulgadas pelo Senhor D. Pedro, como Regente e Imperador daquella data em diante, e os decretos das Cortes Portuguezas que são especificados."
A escolha da data 25.04.1821 não é aleatória, mas coincide inclusive com o período colonial até o periodo em que Dom João VI retorna para Portugal em 26.04.1821.
Laura Berquó
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