quarta-feira, 29 de junho de 2016

PÉROLA NEGRA DO MÊS DE JUNHO DE 2016: CLAREANA CENDY

A Pérola Negra do mês de junho é mais uma bela mulher negra e militante
Traz no rosto as marcas de sua história

E nos brinda com suas palavras um pouco dessa história
PREZAD@S, CONHEÇAM A PÉROLA NEGRA DO MÊS DE JUNHO DE 2016: CLAREANA CENDY. CLAREANA NOS BRINDA COM SUA HISTÓRIA DE CRESCIMENTO PESSOAL E VIVÊNCIAS A PARTIR DA BUSCA DE CONSTRUÇÃO DA SUA IDENTIDADE REAFIRMADA NAS SUAS LUTAS EM PROL DE UMA SOCIEDADE MENOS RACISTA E MACHISTA. AS FOTOS SÃO DE FERNANDO TAVARES.

"AS PRIMEIRAS IMPRESSÕES, LENDO O MUNDO.

Meu nome é Clareana Cendy Borba de Lucena Mendonça. Nasci no dia 08 de outubro no ano de 1981. São 33 anos de vivencias diversas e ímpares que foram primordiais para a mulher que sou hoje. Irei aqui fazer uma analise histórica sobre tudo que foi marcante na minha vida, e como foi importante vivenciar cada uma delas aprendendo passo a passo fazer uma leitura da realidade em que eu me encontrava a realidade de mundo em que eu estava inserida, perpassado pela diversidade de leitura de mundo das pessoas de meu convívio e como essas realidades foram importantes também na minha construção e leitura de mundo.
Cresci escutando versões diferentes sobre a “equivocada” união de meus pais. Enquanto minha mãe falava que havia se casado com eu pai porque fora obrigada pelo meu avô. Do outro lado meu pai se explicava dizendo que nunca tinha amado outra mulher que não fosse a minha mãe. Esse foi o primeiro conto, que me foi dado a fazer uma leitura de mundo. Meus avôs tentavam amenizar a panos quentes dizendo que a mulher deveria casar independente de amar ou não, teria que cassar por uma questão de honra. Se a versão do meu avô for a que mais se aproxima da verdade não é difícil imaginar o por que. Não é fácil se colocar perante uma sociedade patriarcal que visa monitorar e controlar a emancipação da mulher o tempo todo. A construção desse cenário de desigualdade se deu através da violência mascarada pela relação de poder do homem sobre a mulher, fazendo com que a submissão seja uma peça fundamental para a manutenção desse poder.

Quando falamos relações de Gênero, estamos falando de poder. À medida que as relações existentes entre masculino e feminino são relações desiguais, assimétricas, mantêm a mulher subjugada ao homem e ao domínio patriarcal (COSTA, 2008)

  Ao se relacionar e se encontrarem as escondidas logo o patriarca da família para lavar sua honra haveria de casar a filha logo, pois nada poderia ser pior do que ter uma filha desonrada dentro de casa, à mulher nessa condição era apontada e motivo de assunto por muito tempo na comunidade.
Todas essas respostas do ponto de vista de cada um me fazem querer mais respostas sobre essa situação. Será que a foi assim que se deu essa união? Porque uma mulher nova com 17 anos e segundo grau completo, na época um elevado patamar de escolarização foi obrigada a casar e não houve nenhuma reinvindicação? Meu pai havia casado com minha mãe quando tinha 22 anos e ela 17 anos.  Ambos muito novos e inexperientes. Imagino que a responsabilidade de um casamento aliado a uma gravidez em seguida não foi fácil para nenhum dos dois. Mas ao mesmo tempo em que penso nas dificuldades de ambos, penso também na atitude de negação dessa responsabilidade.
Obtive algumas informações que me abriram os olhos sobre a negação dessa responsabilidade por parte dos meus pais, pois logo que eu nasci, foi à matriarca da família, minha avó, quem cuidou de mim e me criou desde o dia em que sai da maternidade até o dia em que me casei e sai de casa. O casamento dos meus pais não durou mais do que 10 meses. Porque mesmo depois de casados nada deu certo? Haveria meu avô tomado partido e me criarem, pois minha mãe e meu pai não se entendiam? Porque minha mãe preferiu deixar minha avó me criar? O fato é que minha avó que chamo de mãe, preencheu esse espaço do jeito dela nas condições dela. 
Falar sobre meu passado é mergulhar em um tempo difícil de recursos e direitos, pois cresci em um bairro periférico em uma casa de construção antiga com móveis rústicos e nada de muito conforto. Lembro-me bem de uma cama muito velha, feita de madeira de jacarandá coberta com tenda de tule, da qual dormia entre meus avôs. A casa era estreita e comprida feitas com tijolos maciços de argila que vez ou outra ao cair o reboco eles apareciam. A vida humilde e simples de uma família que trabalhava muito para garantir minimamente o essencial, a dignidade. 
Remexendo antigas caixas e pastas de fotografias na casa de minha avó neste final de Semana Santa que na minha família que para os meus avós tinha muito significado, afinal eram católicos e semana santa é sagrado. Ao me ver com o desafio de escrever um memorial a partir do olhar de Paulo Freire , sobre a questão de leitura de mundo, fui em busca de algo que me direcionasse as recordações de minha infância,  pude encontrar muitos elementos s que lembraram a minha origem, meu passado. Dentre vários objetos encontrados estão, fotografias, peças de vestuários, brinquedos, livros e o mais curioso de todos, meu cordão umbilical. Tudo que encontrei foi sem sombra de dúvidas um universo diverso sobre mim. Através de fotografias, que fazem uma ligação com as vivencias mencionadas. A velha cama antiga que todo dia 08 de outubro data do meu aniversário nesse dia ficava recheada de pacotes e sacolas de presentes, hábito antigo no nordeste, que coloca os presentes recebidos pelos convidados na cama do aniversariante. Outro detalhe bem peculiar que se encontra registrado nas fotografias são as roupas, vestidos de cambraia simples costurados pela minha avó e terno de linho do qual era a especialidade do meu avô que exercia a profissão de alfaiate desde os 17 anos.
Sendo assim, entrando no túnel do tempo podemos imaginar em como se deu o cenário histórico social e cultural do fim da década de 70 e inicio dos anos 80 e reviver uma parte do meu passado, mergulhando nas fotografias fazendo a leitura de imagens buscando cada detalhe, assim nos relatos de jornais locais, vídeos entre outros que possam indiciar evidências do passado da história de uma vida de um determinado lugar e tempo que terá características de uma realidade nordestina, de muito sacrifício e dificuldades consequência de uma trajetória de lutas por dias melhores. 
Meu primeiro contato com a escola se deu aos quatro anos de idade e me lembro de como eram as aulas, pois foi uma vivencia confusa para mim. Muitas crianças em um único espaço, muitas de idades diferentes da minha. Esse primeiro contato tardio como espaço escolar pode ser justificado hoje pela falta de políticas públicas da época, não havendo uma garantia de educação pública infantil para crianças abaixo de sete anos. A negação da parte do estado, não garantindo esses espaços escolares para crianças a baixo de sete anos e consequentemente só a partir do primeiro ano do primário, assim chamado. Essa inviabilidade pública, fez com que muitos pais contratassem professoras ou ensinassem seus filhos em casa até a idade de iniciação em uma escola formal. Nesse sentido alguns pais viam a necessidade de instruir seus filhos antes dessa mesma entrar no primário.

O INÍCIO DE UMA TRAJETÓRIA QUE PROTAGONIZA UMA IDEOLOGIA DE RESISTÊNCIA E LUTAS.


Enfim inicio no primeiro ano do primário em uma escola também perto de minha residência. A escola era o Instituto Tiradentes Lá funcionavam os turnos da manhã e da tarde. Uma das coisas que mais me marcou nessa época foi um apelido preconceituoso de “Xuxa Preta” que meus colegas faziam questão de chamar, essas agressões me incomodaram, mas não abalava minha autoestima. Esse apelido foi construído em torno de um penteado que minha avó fazia em mim. O “Xuxa” era referente à apresentadora de programa que com ajuda da rede Globo alienou milhares de crianças durante duas gerações e o “preta” foi por conta do meu cabelo e minha cor, que diferentemente não eram os mesmos que os da Xuxa. Mesmo não tendo uma referência no meio familiar em relação a fortalecer a negritude e identidade afro, mesmo assim eu curtia muito meu cabelo e enquanto todas as outras crianças negras alisavam seus cabelos afro, eu não queria e brigava com minha mãe alegando que não queria nunca alisar meu cabelo. Hoje analisando e trazendo essas lembranças me pergunto se eu não já estava fazendo uma revolução na escola.
 Pensando nessa minha atitude de protagonismo, pude entender que  o momento em que fui por dois anos consecutivos a noiva da quadrilha de São João, tradicionalmente realizada na escola, eu uma menina negra e de cabelo afro, transcendendo os olhares preconceituosos dos pais e visitantes da festa estava ali de cabeça erguida, e observava os olhares de orgulho de minha avó, que não cabia de felicidade por me ver naquele lugar.
Esse incentivo a minha identidade por parte de minha vó foi essencial para a mulher que me tornei, através dela e da realidade que me cercava pude crescer sendo empoderada a fazer a diferença e me colocar no mundo com altivez e orgulho da minha cultura, da minha origem de mulher negra, nordestina, que não cruza os braços vai em busca de conquistas. E o primeiro gole dessas conquistas se deu através desse protagonismo cultural, no qual eu estava inserida, danças, manifestações como a quadrilha junina, carnaval tradição e tribos indígenas e tantos outros contatos com a cultura.
Ganhei meu primeiro violão aos 12 anos que me oportunizou participar de bandas e apresentações na escola, e logo no ensino fundamental no Instituto Paraibano Afonso Pereira onde era uma pré-adolescente bem articulada nos anos 90, mesclando cultura a minha autonomia. Fui representante de turma por anos, assim como uma boa oradora nos momentos importantes da trajetória escolar onde estava inserida. No ano do fora color  aconteceram milhares de levantes em todo o Brasil, observava que não havia movimentação na minha escola em relação a participação política no fora Collor, porque isso teria acontecido? A escola simplesmente ignorava os levantes. Isso me incomodou e me levou a refletir procurando me articular e mobilizar uma atitude coletiva. Conhecia alunos do Lyceu Paraibano que me incentivaram a organizar essa ação.  Na ocasião por coincidência um amigo havia levado dois tiros na frente da escola, então esse foi o primeiro motivo a organizar um levante fazendo a ponte entre o combate a violência e o direito de lutar por um Brasil melhor exercendo a cidadania. Saímos nas ruas de Jaguaribe passando pelo centro administrativo do estado e logo após em sentido ao palácio do governador, todos e todas com os rostos pintados entre o verde e o amarelo e o preto em protesto a violência. Essa foi à primeira de muitas manifestações que agora não apenas só cultural, e sim política que pude participar.
No final dos anos 90 eu já era membro dos Agentes de Pastoral Negro da Paraíba – APN’s entidade ligada a arquidiocese da Paraíba. Trabalhei como voluntária no Disque Racismo, e lá a minha leitura de mundo foi ampliada, tive a oportunidade de conhecer várias outras manifestações não só culturalmente falando mas também do ponto de vista histórico, social e político. Tudo aquilo me encantava, as bandeiras de luta as reinvindicações pertinentes  a construção de um mundo mais justo, igualitário que valorize as diferenças e respeite as diversidade, e esse mundo poderia sim ser construído , a partir da leitura de mundo que poderíamos fazer e fomentar entre o nosso povo.
Dentro do mosteiro de São Bento onde estava situada a sede dos APN’s e do Disque Racismo, estavam também a Pastoral da Criança, do Idoso, da Terra entre tantas outras. Então estava inserida nesse universo juntamente do Movimento Negro Unificado, com os grupos de capoeira, movimento Hip Hop, povos tradicionais de matriz africana e uma infinidade de aprendizados a percorrer.
Foi sem sombra de dúvida uma base importantíssima para minha vida , essas relações e vivencias fizeram parte da minha formação enquanto pessoa política e crítica, essa leitura me fez querer algo ainda mais focado na luta por direitos iguais . Em 2005 recebi o convite para a construção de um partido novo, que estava disposto a construção desse mundo idealizado, assim fundamos o PSOL na Paraíba. No ano seguinte com 25 anos fui candidata a deputada federal representando a juventude negra, levanto a bandeira do nosso povo em minhas propostas, para que juntos pudéssemos pensar de maneira coletiva em como construir essas políticas. Obtive 883 votos que para mim valeram muito do ponto de vista de ser uma jovem pobre, negra oriunda de periferia sem partido grande financiando nem sendo massa de manobra de ninguém, apenas escutei os meus companheiros e companheiras e fui em frente.
Essa experiência me levou a exercer minha cidadania de forma mais intensa participando assim dos conselhos de nossa cidade e estado, como foi o caso de minha gestão como sociedade civil no Conselho Estadual de Promoção da Igualdade Racial da Paraíba do ano de 2011 a 2013. Como controle social me sentia totalmente a vontade de representar o nosso seguimento, levar as demandas do nosso povo, lutar e cobrar do Estado nosso direitos fui e é um exercício riquíssimo de aprendizado. Ser ativista cultural e militante negra eram base de um compromisso firmando todos os dias, na luta diária por direitos iguais.
Em 2014 entro nesta instituição para cursar Pedagogia, curso que sempre almejei pelo seu objetivo principal, ser mediadora de conhecimentos e empoderar atraves da educação para a formação e transformação social que podem se dar por meio desse processo educacional.
Uma das coisas que me recordo de minha infancia, e me fazem sentir triste eram as imagens do negro nos livros didáticos, assim como a “História contada a partir do ponto de vista do opressor”. Como educadora tenho o compromisso de fazer uma analise crítica junto aos educandos, de forma dialógica e crítica mediar essa discurssão para então pensarmos coletivamente com um outro viés de modelo educacional. O movimento negro ao longo das décadas vem dialogando acerca das políticas públicas étnico-raciais, como a questão da lei 10.639/2003, que determina o ensino de história e cultura afro-brasileira, entendendo a contribuição do negro/a em vários seguimentos como a cultura, literatura, arquitetura, culinária enfim a todas essas áreas que aborda nossa identidade, a do povo negro de maneira positiva levando em consideração a verdadeira contribuição dos negros/as para a formação de nossa nação pensando na desconstrução do processo histórico e negativo que foi a escravidão em forma de racismo no Brasil.
O racismo é uma forma de ideologia que se desenvolveu no mundo moderno e ajudou na justificação da escravidão no Novo Mundo e as pretensões imperialistas da Europa ocidental em todos os continentes. Para Marx, são as relações de produção escravistas que colocam um ser humano em uma posição social de subjugação, de trabalho forçado, de exploração econômica, de opressão e violência material e simbólica. As representações desenvolvidas nas formas de consciência social com base na matéria prima dessa situação de opressão levaram ao desenvolvimento de uma ideologia racista que chegou até os nossos dias. (PRAXEDES, 2003)

É preciso entender que anterior a luta do Movimento Negro falar do negro nos livros de histórias ilustrados por Rugendas e Debret, é olhar para uma imagem totalmente negativa, evidenciando que ser negro é sinônimo de sofrimento, dor, coisas negativas. Já com a lei 10.639/2003 visualizamos uma mudança no currículo atual sendo operada, mas essa mudança e efetivação não é tão simples assim, a lei é de 2003 e mesmo assim conseguimos ver esses avanços a custos passos.
 No texto Histórias das disciplinas escolares e História da educação podemos entender como é gritante ainda a valorização e efetivação da Lei 10.639/2003, para que a mesma venha a disseminar o relato de uma outra história , uma história que traga discussões e investigações sobre questionamentos que até então foram arquivados com o objetivo de se mascarar , e não afirmar a contribuição do negro na construção de nossa sociedade. Por isso a importância de se pensar em novos conteúdos, e versões visto que hoje podemos dispor de outros materiais e pesquisa que mudam totalmente o cursor da história que não foi dito nos livros de minha época.
Certamente um dos motivos pelos quais a História das Disciplinas Escolares tem se configurado, na atualidade brasileira, como uma importante área de estudos tem sido a sua potencialidade em fornecer um novo olhar para a escola do passado, permitindo perceber que a história dos ideários e dos discursos pedagógicos (SOUZA e Galvão, p393).

Assim me coloco a disposição para novas vivências e aprendizagens junto a esta instituição, mais precisamente ao mediador desse conteúdo curricular o professor Wilson Aragão, que estará fazendo esse movimento de ligação entre o conteúdo e os participantes, agradecendo desde já ao profissional comprometido com as causas educacionais, bem como sua contribuição na instituição como sendo um dos organizadores da bandeira de luta por uma educação anti-racista almejo e anseio por essa  troca  entendendo a  importância de trabalhar com o diálogo na turma acreditando que iremos aprender e trocar saberes que serviram para ampliar nossa leitura de mundo, e mais na frente colocar em prática nas nossas vidas essa. Avante por uma construção de mundo em busca de uma transformação social através da educação." Por Clareana Cendy

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