Presidência
da República
Casa Civil Subchefia para Assuntos Jurídicos |
Define
mecanismos para a implementação do Estatuto dos Refugiados de 1951, e determina outras
providências.
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O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e
eu sanciono a seguinte Lei:
TÍTULO I
Dos Aspectos Caracterizadores
CAPÍTULO I
Do Conceito, da Extensão e da Exclusão
SEÇÃO I
Do Conceito
I
- devido a fundados temores de perseguição por motivos de raça, religião,
nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas encontre-se fora de seu país de
nacionalidade e não possa ou não queira acolher-se à proteção de tal país;
II
- não tendo nacionalidade e estando fora do país onde antes teve sua residência
habitual, não possa ou não queira regressar a ele, em função das circunstâncias
descritas no inciso anterior;
III - devido a grave e generalizada violação
de direitos humanos, é obrigado a deixar seu país de nacionalidade para buscar refúgio
em outro país.
SEÇÃO II
Da Extensão
Art. 2º Os efeitos da condição dos
refugiados serão extensivos ao cônjuge, aos ascendentes e descendentes, assim como aos
demais membros do grupo familiar que do refugiado dependerem economicamente, desde que se
encontrem em território nacional.
SEÇÃO III
Da Exclusão
I
- já desfrutem de proteção ou assistência por parte de organismo ou instituição das
Nações Unidas que não o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados - ACNUR;
II
- sejam residentes no território nacional e tenham direitos e obrigações relacionados
com a condição de nacional brasileiro;
III - tenham cometido crime contra a paz, crime
de guerra, crime contra a humanidade, crime hediondo, participado de atos terroristas ou
tráfico de drogas;
IV
- sejam considerados culpados de atos contrários aos fins e princípios das Nações
Unidas.
CAPÍTULO II
Da Condição Jurídica de Refugiado
Art. 4º O reconhecimento da condição de
refugiado, nos termos das definições anteriores, sujeitará seu beneficiário ao
preceituado nesta Lei, sem prejuízo do disposto em instrumentos internacionais de que o
Governo brasileiro seja parte, ratifique ou venha a aderir.
Art. 5º O refugiado gozará de direitos e
estará sujeito aos deveres dos estrangeiros no Brasil, ao disposto nesta Lei, na
Convenção sobre o Estatuto dos Refugiados de 1951 e no Protocolo sobre o Estatuto dos
Refugiados de 1967, cabendo-lhe a obrigação de acatar as leis, regulamentos e
providências destinados à manutenção da ordem pública.
Art. 6º O refugiado terá direito, nos termos
da Convenção sobre o Estatuto dos Refugiados de 1951, a cédula de identidade
comprobatória de sua condição jurídica, carteira de trabalho e documento de viagem.
TÍTULO II
Do Ingresso no Território Nacional e do
Pedido de Refúgio
Art. 7º O estrangeiro que chegar ao
território nacional poderá expressar sua vontade de solicitar reconhecimento como
refugiado a qualquer autoridade migratória que se encontre na fronteira, a qual lhe
proporcionará as informações necessárias quanto ao procedimento cabível.
§
1º Em hipótese alguma será efetuada sua deportação para fronteira de território em
que sua vida ou liberdade esteja ameaçada, em virtude de raça, religião, nacionalidade,
grupo social ou opinião política.
§
2º O benefício previsto neste artigo não poderá ser invocado por refugiado considerado
perigoso para a segurança do Brasil.
Art. 8º O ingresso irregular no território
nacional não constitui impedimento para o estrangeiro solicitar refúgio às autoridades
competentes.
Art. 9º A autoridade a quem for apresentada a
solicitação deverá ouvir o interessado e preparar termo de declaração, que deverá
conter as circunstâncias relativas à entrada no Brasil e às razões que o fizeram
deixar o país de origem.
Art. 10. A solicitação, apresentada nas
condições previstas nos artigos anteriores, suspenderá qualquer procedimento
administrativo ou criminal pela entrada irregular, instaurado contra o peticionário e
pessoas de seu grupo familiar que o acompanhem.
§
1º Se a condição de refugiado for reconhecida, o procedimento será arquivado, desde
que demonstrado que a infração correspondente foi determinada pelos mesmos fatos que
justificaram o dito reconhecimento.
§
2º Para efeito do disposto no parágrafo anterior, a solicitação de refúgio e a
decisão sobre a mesma deverão ser comunicadas à Polícia Federal, que as transmitirá
ao órgão onde tramitar o procedimento administrativo ou criminal.
TÍTULO III
Do Conare
Art. 11. Fica criado o Comitê Nacional para os
Refugiados - CONARE, órgão de deliberação coletiva, no âmbito do Ministério da
Justiça.
CAPÍTULO I
Da Competência
Art. 12. Compete ao CONARE, em consonância com
a Convenção sobre o Estatuto dos Refugiados de 1951, com o Protocolo sobre o Estatuto
dos Refugiados de 1967 e com as demais fontes de direito internacional dos refugiados:
I
- analisar o pedido e declarar o reconhecimento, em primeira instância, da condição de
refugiado;
II
- decidir a cessação, em primeira instância, ex officio ou mediante requerimento
das autoridades competentes, da condição de refugiado;
III - determinar a perda, em primeira
instância, da condição de refugiado;
IV
- orientar e coordenar as ações necessárias à eficácia da proteção, assistência e
apoio jurídico aos refugiados;
V
- aprovar instruções normativas esclarecedoras à execução desta Lei.
Parágrafo único. O regimento interno
determinará a periodicidade das reuniões do CONARE.
CAPÍTULO II
Da Estrutura e do Funcionamento
I
- um representante do Ministério da Justiça, que o presidirá;
II
- um representante do Ministério das Relações Exteriores;
III - um representante do Ministério do
Trabalho;
IV
- um representante do Ministério da Saúde;
V
- um representante do Ministério da Educação e do Desporto;
VI
- um representante do Departamento de Polícia Federal;
VII - um representante de organização
não-governamental, que se dedique a atividades de assistência e proteção de refugiados
no País.
§
1º O Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados - ACNUR será sempre membro
convidado para as reuniões do CONARE, com direito a voz, sem voto.
§
2º Os membros do CONARE serão designados pelo Presidente da República, mediante
indicações dos órgãos e da entidade que o compõem.
§
3º O CONARE terá um Coordenador-Geral, com a atribuição de preparar os processos de
requerimento de refúgio e a pauta de reunião.
Art. 15. A participação no CONARE será
considerada serviço relevante e não implicará remuneração de qualquer natureza ou
espécie.
Art. 16. O CONARE reunir-se-á com quorum
de quatro membros com direito a voto, deliberando por maioria simples.
Parágrafo único. Em caso de empate,
será considerado voto decisivo o do Presidente do CONARE.
TÍTULO IV
Do Processo de Refúgio
CAPÍTULO I
Do Procedimento
Art. 17. O estrangeiro deverá apresentar-se à
autoridade competente e externar vontade de solicitar o reconhecimento da condição de
refugiado.
Art. 18. A autoridade competente notificará o
solicitante para prestar declarações, ato que marcará a data de abertura dos
procedimentos.
Parágrafo único. A autoridade competente
informará o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados - ACNUR sobre a
existência do processo de solicitação de refúgio e facultará a esse organismo a
possibilidade de oferecer sugestões que facilitem seu andamento.
Art. 19. Além das declarações, prestadas se
necessário com ajuda de intérprete, deverá o estrangeiro preencher a solicitação de
reconhecimento como refugiado, a qual deverá conter identificação completa,
qualificação profissional, grau de escolaridade do solicitante e membros do seu grupo
familiar, bem como relato das circunstâncias e fatos que fundamentem o pedido de
refúgio, indicando os elementos de prova pertinentes.
Art. 20. O registro de declaração e a
supervisão do preenchimento da solicitação do refúgio devem ser efetuados por
funcionários qualificados e em condições que garantam o sigilo das informações.
CAPÍTULO II
Da Autorização de Residência Provisória
Art. 21. Recebida a solicitação de refúgio,
o Departamento de Polícia Federal emitirá protocolo em favor do solicitante e de seu
grupo familiar que se encontre no território nacional, o qual autorizará a estada até a
decisão final do processo.
§
1º O protocolo permitirá ao Ministério do Trabalho expedir carteira de trabalho
provisória, para o exercício de atividade remunerada no País.
§
2º No protocolo do solicitante de refúgio serão mencionados, por averbamento, os
menores de quatorze anos.
Art. 22. Enquanto estiver pendente o processo
relativo à solicitação de refúgio, ao peticionário será aplicável a legislação
sobre estrangeiros, respeitadas as disposições específicas contidas nesta Lei.
CAPÍTULO III
Da Instrução e do Relatório
Art. 23. A autoridade competente procederá a
eventuais diligências requeridas pelo CONARE, devendo averiguar todos os fatos cujo
conhecimento seja conveniente para uma justa e rápida decisão, respeitando sempre o
princípio da confidencialidade.
Art. 24. Finda a instrução, a autoridade
competente elaborará, de imediato, relatório, que será enviado ao
Secretário do CONARE, para inclusão na pauta da próxima reunião daquele
Colegiado.
Art. 25. Os intervenientes nos processos
relativos às solicitações de refúgio deverão guardar segredo profissional quanto às
informações a que terão acesso no exercício de suas funções.
CAPÍTULO IV
Da Decisão, da Comunicação e do Registro
Art. 26. A decisão pelo reconhecimento da
condição de refugiado será considerada ato declaratório e deverá estar devidamente
fundamentada.
Art. 27. Proferida a decisão, o CONARE
notificará o solicitante e o Departamento de Polícia Federal, para as medidas
administrativas cabíveis.
Art. 28. No caso de decisão positiva, o
refugiado será registrado junto ao Departamento de Polícia Federal, devendo assinar
termo de responsabilidade e solicitar cédula de identidade pertinente.
CAPÍTULO V
Do Recurso
Art. 29. No caso de decisão negativa, esta
deverá ser fundamentada na notificação ao solicitante, cabendo direito de recurso ao
Ministro de Estado da Justiça, no prazo de quinze dias, contados do recebimento da
notificação.
Art. 30. Durante a avaliação do recurso,
será permitido ao solicitante de refúgio e aos seus familiares permanecer no território
nacional, sendo observado o disposto nos §§ 1º e 2º do art. 21 desta Lei.
Art. 31. A decisão do Ministro de Estado da
Justiça não será passível de recurso, devendo ser notificada ao CONARE, para ciência
do solicitante, e ao Departamento de Polícia Federal, para as providências devidas.
Art. 32. No caso de recusa definitiva de
refúgio, ficará o solicitante sujeito à legislação de estrangeiros, não devendo
ocorrer sua transferência para o seu país de nacionalidade ou de residência habitual,
enquanto permanecerem as circunstâncias que põem em risco sua vida, integridade física
e liberdade, salvo nas situações determinadas nos incisos III e IV do art. 3º desta
Lei.
TÍTULO V
Dos Efeitos do Estatuto de Refugiados Sobre a
Extradição e a Expulsão
CAPÍTULO I
Da Extradição
Art. 33. O reconhecimento da condição de
refugiado obstará o seguimento de qualquer pedido de extradição baseado nos fatos que
fundamentaram a concessão de refúgio.
Art. 34. A solicitação de refúgio
suspenderá, até decisão definitiva, qualquer processo de extradição pendente, em fase
administrativa ou judicial, baseado nos fatos que fundamentaram a concessão de refúgio.
Art. 35. Para efeito do cumprimento do disposto
nos arts. 33 e 34 desta Lei, a solicitação de reconhecimento como refugiado será
comunicada ao órgão onde tramitar o processo de extradição.
CAPÍTULO II
Da Expulsão
Art. 36. Não será expulso do território
nacional o refugiado que esteja regularmente registrado, salvo por motivos de segurança
nacional ou de ordem pública.
Art. 37. A expulsão de refugiado do
território nacional não resultará em sua retirada para país onde sua vida, liberdade
ou integridade física possam estar em risco, e apenas será efetivada quando da certeza
de sua admissão em país onde não haja riscos de perseguição.
TÍTULO VI
Da Cessação e da Perda da Condição de
Refugiado
CAPÍTULO I
Da Cessação da Condição de Refugiado
I
- voltar a valer-se da proteção do país de que é nacional;
II
- recuperar voluntariamente a nacionalidade outrora perdida;
III - adquirir nova nacionalidade e gozar da
proteção do país cuja nacionalidade adquiriu;
IV
- estabelecer-se novamente, de maneira voluntária, no país que abandonou ou fora do qual
permaneceu por medo de ser perseguido;
V
- não puder mais continuar a recusar a proteção do país de que é nacional por terem
deixado de existir as circunstâncias em conseqüência das quais foi reconhecido como
refugiado;
VI
- sendo apátrida, estiver em condições de voltar ao país no qual tinha sua residência
habitual, uma vez que tenham deixado de existir as circunstâncias em conseqüência das
quais foi reconhecido como refugiado.
CAPÍTULO II
Da Perda da Condição de Refugiado
I
- a renúncia;
II
- a prova da falsidade dos fundamentos invocados para o reconhecimento da condição de
refugiado ou a existência de fatos que, se fossem conhecidos quando do reconhecimento,
teriam ensejado uma decisão negativa;
III - o exercício de atividades contrárias à
segurança nacional ou à ordem pública;
IV
- a saída do território nacional sem prévia autorização do Governo brasileiro.
Parágrafo único. Os refugiados que perderem
essa condição com fundamento nos incisos I e IV deste artigo serão enquadrados no
regime geral de permanência de estrangeiros no território nacional, e os que a perderem
com fundamento nos incisos II e III estarão sujeitos às medidas compulsórias previstas
na Lei nº 6.815, de 19 de agosto de 1980.
CAPÍTULO III
Da Autoridade Competente e do Recurso
Art. 40. Compete ao CONARE decidir em primeira
instância sobre cessação ou perda da condição de refugiado, cabendo, dessa decisão,
recurso ao Ministro de Estado da Justiça, no prazo de quinze dias, contados do
recebimento da notificação.
§
1º A notificação conterá breve relato dos fatos e fundamentos que ensejaram a decisão
e cientificará o refugiado do prazo para interposição do recurso.
§
2º Não sendo localizado o estrangeiro para a notificação prevista neste artigo, a
decisão será publicada no Diário Oficial da União, para fins de contagem do prazo de
interposição de recurso.
Art. 41. A decisão do Ministro de Estado da
Justiça é irrecorrível e deverá ser notificada ao CONARE, que a informará ao
estrangeiro e ao Departamento de Polícia Federal, para as providências cabíveis.
TÍTULO VII
Das Soluções Duráveis
CAPÍTULO I
Da Repatriação
Art. 42. A repatriação de refugiados aos seus
países de origem deve ser caracterizada pelo caráter voluntário do retorno, salvo nos
casos em que não possam recusar a proteção do país de que são nacionais, por não
mais subsistirem as circunstâncias que determinaram o refúgio.
CAPÍTULO II
Da Integração Local
Art. 43. No exercício de seus direitos e
deveres, a condição atípica dos refugiados deverá ser considerada quando da
necessidade da apresentação de documentos emitidos por seus países de origem ou por
suas representações diplomáticas e consulares.
Art. 44. O reconhecimento de certificados e
diplomas, os requisitos para a obtenção da condição de residente e o ingresso em
instituições acadêmicas de todos os níveis deverão ser facilitados, levando-se em
consideração a situação desfavorável vivenciada pelos refugiados.
CAPÍTULO III
Do Reassentamento
Art. 45. O reassentamento de refugiados em
outros países deve ser caracterizado, sempre que possível, pelo caráter voluntário.
Art. 46. O reassentamento de refugiados no
Brasil se efetuará de forma planificada e com a participação coordenada dos órgãos
estatais e, quando possível, de organizações não-governamentais, identificando áreas
de cooperação e de determinação de responsabilidades.
TÍTULO VIII
Das Disposições Finais
Art. 47. Os processos de reconhecimento da
condição de refugiado serão gratuitos e terão caráter urgente.
Art. 48. Os preceitos desta Lei deverão ser
interpretados em harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, com
a Convenção sobre o Estatuto dos Refugiados de 1951, com o Protocolo sobre o Estatuto
dos Refugiados de 1967 e com todo dispositivo pertinente de instrumento internacional de
proteção de direitos humanos com o qual o Governo brasileiro estiver comprometido.
Brasília, 22 de julho de 1997; 176º da
Independência e 109º da República.
FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
Iris Rezende
Este texto não substitui o
publicado no D.O.U. de 23.7.1997
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