PARTE 2. O "NOVO EUROPEU" E A BRANQUITUDE BRASILEIRA: O CONSTITUCIONALISMO MULTINÍVEL
No texto anterior falamos do projeto expansionista europeu, que tem no reconhecimento de cidadãos pelo critério de sangue como uma das estratégias de expansão da Europa extraterritorialmente.
Em países colonizados, a branquitude vê como um direito o seu reconhecimento enquanto europeu, ainda que por meio de uma ascendência distante. Essa primeira parte se encontra aqui disponível:
https://epahey2015.blogspot.com/2025/09/do-brasil-ser-um-pais-que-sempre.html?m=1
Essa proposta expansionista europeia, que na Itália sofreu limitações recentes com a extrema-direita, porém, não protege seus novos “nacionais” de violações com base na xenofobia e racismo, como já afirmado na primeira parte. Embora haja legislação específica para repressão de tais práticas, conforme a Lei nº 93, de 23 de agosto de 2017 da República Portuguesa, por exemplo, a xenofobia e o racismo são praticados corriqueiramente.
Esses "novos europeus" assam a ser inclusive os oprimidos dentro de uma visão interseccional, quando comparados com os nacionais naturais e pertencentes ao grupos étnicos originários desses países europeus. O conceito de interseccionalidade desenvolvido por Kimberlé Crenshaw após a Conferência de Durban como crítica ao racismo patriarcal conceitua a interseccionalidade como cruzamento dos sistemas de opressão que se sobrepõe um ao outro se interligando pelos critérios de classe (capitalismo), gênero (cisheteropatriarcado) e raça/cor (racismo) (AKOTIRENE: 2019).
Segundo Ingolf Pernice, a crise europeia não é só financeira, mas de democracia e mentalidade. Muitos europeus estão descrentes com relação às instituições de seus países e rejeitam a possibilidade de sucesso de uma integração europeia. E questiona “What has all this to do with “multilevel constitucionalismo?”. (2018, p. 542)
Para Pernice, a crise democrática e de mentalidade se dão visivelmente desde 2013 com a ascensão em diversos países europeus de orientações ideológicas diversas, sendo o constitucionalismo multinível a possibilidade de integração por meio da União Europeia desses países em prol de seus cidadãos. Prossegue questionando a natureza da União Europeia a partir da dificuldade do senso comum em não entender que se trata de uma entidade abstrata e não um Estado Federal.
Diante disso, como salvaguardar brasileiros com dupla nacionalidade de violações de direitos humanos decorrentes de xenofobia e racismo em países diversos do continente europeu? Um dos problemas da branquitude brasileira é que enquanto são lidos como brancos no Brasil, no continente europeu e nos EUA são vítimas de racismo, porque são pessoas vistas como racializadas e expostas ao preconceito forjado na ideia de uma supremacia branca colonialista.
Neste caso, o constitucionalismo multinível deveria ocorrer como forma dialógica, sendo segundo Melina Girardi Fachin, os Direitos Humanos a “língua” comum entre os países quando não observados as disposições constitucionais. O Brasil e países europeus membros da União Europeia devem, portanto, adotar de forma dialogada e com espeque no Princípio “Pro Persona” a proteção dos direitos humanos de brasileiros que pelo critério de sangue, ou por concessões outras como a via sefardita, também gozam de uma nacionalidade de país europeu.
Segundo Igor Luis Pereira e Silva, o constitucionalismo multinível será capaz de unir a diversidade de povos em prol da expansão dos direitos humanos.
,"O constitucionalismo multinível envolve a busca dessa norma superior, que irá unir diversos estados, culturas e pessoas, em prol da expansão dos direitos humanos e da solução de problemas supranacionais. As ordens jurídicas se interligariam, com o fim de solucionar conflitos comuns, criando uma ordem social estrutural superior. Temos como exemplo a tentativa de criação da Constituição Europeia, no bloco regional da União Europeia. Sob a ótica do constitucionalismo multinível, já poderíamos definir que já existe, em sentido material (apesar de não-formal) uma Constituição Europeia." (PEREIRA:2023)
Embora, a discussão acerca de um constitucionalismo multinível esteja acontecendo, não se pode olvidar os estudos de José Augusto Lindgren Alves quando ao discorrer sobre a Declaração de Viena ‘de que os direitos humanos extrapolam o domínio reservado dos Estados’. (2013: p. 28-29)
Por fim, Flávia Piovesan trabalha com o Princípio Pro-Persona, quando da fixação da norma mais favorável em matéria de Direitos Humanos, sendo as legislações e tratados em matéria de Direitos Humanos em geral, regras mínimas de proteção desses direitos (2013, p. 158). Infere-se que a soberania estatal como desculpa tradicional para o não-diálogo entre países quando se trata de violações de direitos humanos, não deve, portanto, prosperar.
REFERÊNCIAS:
AKOTIRENE, Carla. Interseccionalidade. São Paulo: Sueli Carneiro; Pólen, 2019.
ALVES, José Augusto Lindgren. Os direitos humanos como tema global. São Paulo: Perspectiva, 2013.
FACHIN, Melina. Constitucionalismo Multinível e Jurisdição Convencional. In: https://www.youtube.com/watch?v=Tt68RNexc0c
PEREIRA, Igor. O que é constitucionalismo multinível de Ingo Pernice (ou multilevel constitucionalism)? In: https://direitonovo.com/justica/direito-constitucional/o-que-e-o-constitucionalismo-multinivel-de-ingolf-pernice-ou-multilevel-constitucionalism/ Acessado em 26 de janeiro de 2024
PERNICE, Ingolf. Multilevel constitucionalismo and crisis of democracy in Europe.In: European Constitucional Law Review, 11: 541-562, 2015 Acesso em www.cambridge.org
PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 14 ed. Saraiva: São Paulo, 2013.
Laura Berquó
Nenhum comentário:
Postar um comentário