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DIREITO DE GLÁDIO: MEDEIA E A SUBVERSÃO DA ORDEM PATRIARCAL
O mundo adultocêntrico é produto do patriarcado e a violência de uma mulher contra seus filhos é uma autorização, ainda que tácita do poder masculino, conforme Heleieth Saffioti, em Gênero, Patriarcado e Violência. O patriarcado surgiu como fenômeno capaz de se fazer onipresente e de formas variadas no mundo com o surgimento da propriedade privada, conforme Friedrich Engels em sua obra A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado. Na sociedade ocidental de formação greco-romana, vê-se historicamente o direito de gládio (de vida e de morte) sobre os filhos menores na esfera privada, como analisado por Michel Foucault em História da Sexualidade. A Vontade de Saber. No Brasil até a publicação do Código Criminal de 1830, os maridos exerciam o direito de gládio sobre as mulheres em caso de adultério, por exemplo. E assim, Medeia choca, não porque matou seus filhos somente, mas porque subverteu a ordem, já que os filhos eram extensão de Jasão e não dela. No entanto, estava à ela, imposto por Jasão, um lugar que ela não queria, a de ser descartada, porque não era mais útil. Por que teria Medeia que se sujeitar ao papel que o seu homem queria lhe destinar? Ela que além de ser "má" era também uma grande "feiticeira", uma mulher com seu poder, mas limitado às expectativas daquele mundo grego, em que mulheres poderosas eram feiticeiras, e só. Medeia matou seus filhos? Não. Ela matou os filhos de Jasão, matou os filhos que eram extensão do pai, do homem. Que mal fez então em usurpar o poder daquele que resolveu dispor de sua sorte, após usar de seu poder, dizendo qual seria agora seu lugar no mundo? Ela, que diferente de Ariadne, a abandonada, não se perdeu psicologicamente no labirinto de onde um poderoso herói foi erguido por um fio, o fio de uma mulher apaixonada? O arquétipo de Medeia representa a subversão de uma ordem patriarcal, uma vez que ela usurpa esse direito de gládio e autodeterminação. A tragédia de Eurípedes é apenas uma forma naquele mundo misógino e adultocêntrico de empoderar mulheres. Após assassinar seus filhos, Medeia, recomeçou sua vida longe de Jasão, com seu poder de Bruxa reconhecido, poder que um dia foi capaz de honrar um amor ingrato. E os filhos de Medeia? Vítimas do mundo adultocêntrico, eles não eram as personagens mais importantes da tragédia. Nem sempre a emancipação da mulher irá livrá-la de cometer violências.
Laura Berquó
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