Dando prosseguimento à série sobre os Ingênuos e os Nascidos Escravizados na antiga Paróquia de Nossa Senhora das Neves no ano de 1833, hoje traremos a relação das crianças que nasceram escravizadas e foram batizadas no ano de 1833 na antiga capital da Parahyba.
No ano de 1833 foram batizadas 296 crianças e 1 mulher adulta escravizada. Dessas 297 crianças, já analisamos as que foram vítimas de mortalidade infantil (batizadas em perigo de vida) em artigo anterior da série. No quadro demonstrativo que se seguirá, veremos que novamente repetimos essa informação, porque duas dessas crianças nasceram escravizadas e foram batizadas em perigo de vida por José Vicente Torres, que no caso era o responsável direto pela escravização de duas mulheres negras. Eram as crianças Manoella, 04 meses e Maria, párvula sem idade informada.
No ano de 1833 foram batizadas 27 crianças nascidas escravizadas, sendo as demais consideradas ingênuas, porque ao tempo do nascimento, mesmo no caso de crianças pretas e pardas, as mães não eram mulheres escravizadas ou porque eram brancas.
No caso, se a mãe da criança não fosse escravizada, mas o pai sim, fosse escravizado, a criança era considerada ingênua. Vejamos um caso:
Ignácia, párvula batizada em 24.11.1833, “filha natural do preto Domingo do Rêgo, escravo de “ilegível” com a parda forra Maria Francisca do Rozário.” Foi padrinho Joze do Rego Pavão.
O que justificava no Direito que crianças nascessem na condição de escravizadas e não de ingênuas (crianças nascidas livres)? Até o ano de 1871, o Direito brasileiro com base no Direito Romano, fonte subsidiária do nosso direito civil, adotava o Princípio do Partus Sequitur Ventrem. Como nos explica André Barreto Campello em sua obra “Manual Jurídico da Escravidão: cotidianos da opressão” ao citar o artigo 1º da Lei do Ventre Livre:
“Por este artigo, o princípio do partus sequitur ventrem era rompido. Na lógica do sistema escravista, os filhos nascidos de uma escrava pertenciam ao senhor, obedecendo ao referido odioso princípio romano” (2021, pp.528-529)
Conforme dito anteriormente em outros textos desta série, a antiga Paróquia de Nossa Senhora das Neves batizava pessoas da: capital paraibana, Livramento (Santa Rita), os engenhos de cana-de-açucar de Santa Rita e Ingá. Além de batizar pessoas indígenas do Litoral Norte (Baía da Traição). Somente os livros de batizados a partir de 1833 chegaram aos dias atuais, embora a Paróquia de Nossa Senhora das Neves tenha sido criada ainda no final do século XVI com a fundação da cidade.
Para o sexto texto da série, traremos algumas análises sobre o apelido “Cabra”, sobre a quantidade de mulheres de origem africana que constam do quadro abaixo e o que Direito pode nos esclarecer sobre o fim oficial do tráfico negreiro, sobre a afetividade na escolha das madrinhas e padrinhos, tratando novamente numa perspectiva jurídica.
O primeiro registro de criança escravizada batizada em 1833 foi em 12.02.1833 de Benedita, párvula de 46 dias, parda, batizada pelo Vigário Joaquim Antônio e marques. Era filha natural da mulher escravizada Catharina, preta de Angola, escravizada por João Nepomuceno Borges. Foram padrinhos Antônio da Paz da Cunha e “ilegível” de Almeida.
Seguem os demais registros:
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DATA DO BASTISMO |
NOME DA CRIANÇA |
GENITORES |
PADRINHOS |
IDADE |
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21.02.1833 |
Manoela* |
Filha natural de Anna (escravizada) e José Antônio Lopes |
Luiz Francisco dos Santos Lima e Maria Francisca Coelho
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Não consta. Apenas párvula |
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21.02.1833 |
Domingos ** |
Filho natural de Joaquina (escravizada) e João José Lopes |
João Thomas e Maria do Bonfim |
03 meses |
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03.03.1833 |
Thimótheo*** |
Filho legítimo de Vicente “Góvea” (?) e Lourença Maria (ambos escravizados) |
Martinho Ribeiro e Maria Joaquina |
Não consta. Apenas párvulo |
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18.03.1833 |
Manoella**** |
Filha natural de Joana (escravizada por José Vicente Torres) |
Batizada em perigo de vida por José Vicente Torres |
04 meses |
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06.04.1833 |
Lucinda* |
Filha natural de Joaquina Cabra (escravizada por Manoel Ramalho de Vasconcellos) |
Antônio José Batista |
03 meses |
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26.05.1833 |
Joze***** |
Filho natural de Maria Lima (“mulata” escravizada por Vicente Ferreira de Vasconcellos) |
Manoel Pereira de Sant’Anna (pardo livre e solteiro) |
Não consta. Apenas párvulo |
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21.06.1833 |
João***** |
Filho natural de Maria (preta de nação, escravizada por Francisca Vitória do Nascimento Vieira e pelo Capitão Ignácio Ferreira Soares) |
Vicente Fernandes de Luna (casado) e Maria do Rosário (solteira e escravizada por Anna da Silva Maciel) |
41 dias |
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23.06.1833 |
Maria ****** |
Filha natural de Joaquina “Monteira” (escravizada por Dona Francisca Monteira de Sales) |
Joze Gonçalves dos Prazeres |
Não consta. Apenas párvula |
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30.06.1833 |
Joanna***** |
Filha natural de Maria (negra de nação escravizada por Manoel Francisco de Oliveira e Mello) |
Francisco de Salles Pereira de Carvalho (pardo escravizado por Antônio Elias de Carvalho |
30 dias |
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14.07.1833 |
Lídia****** |
Filha natural de Sofia (parda escravizada por Lucia Rita Barreto) |
Tenente Joze da Rocha (casado) |
03 meses |
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04.08.1833 |
Laurentino***** |
Filha natural da “preta Maria Crioula” (escravizada por Francisco Joze Henriques Junior |
Joze Marinho Correia (casado) e Antonia Marcelina da Conceição (solteira) |
02 meses e 20 dias |
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16.05.1833[1] |
Galdino******* |
Filho natural de Lourença (escravizada pelo Sargento Francisco Monteiro da Franca) |
Marco de Mello Moreira Lima |
26 dias |
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11.08.1833 |
Faustina***** |
Filha natural de Luíza (escravizada por Francisco Alves de Souza Carvalho) |
José Antonio Alves da Silva Guimarães (solteiro) e “Lirinda” (?) Maria da Conceição (“crioula livre” |
02 meses |
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20.08.1833 |
Maria * |
Filha natural de Mariana (preta escravizada por Joaquim da Silva Guimarães) |
Francisco Xavier da Rocha e Elena Francisca (solteira) |
15 dias |
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1º.09.1833 |
Maria**** |
Filha natural de Roza Crioula (escravizada por José Vicente Torres) |
Batizada em perigo de vida por José Vicente Torres |
Não consta. Apenas párvula. |
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11.09.1833 |
Roberto***** |
Filho natural de Domingas (preta de nação escravizada por João Nepomuceno Borges) |
Damião Antônio Gonçalves de Medeiros |
05 meses |
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15.09.1833 |
Romana***** |
Filha natural da parda Florinda (escravizada de Dona Francisca Romana da Gama e Mello) |
Cosme da Gama (pardo livre e casado) |
05 meses e 18 dias |
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22.09.1833 |
Joze***** |
Filho natural de Anna (preta de nação escravizada por Joze Monteiro) |
Manoel de Góes e sua esposa Joaquina (ambos pretos livres) |
1 mês |
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29.09.1833 |
Antonio******* |
Filho natural da “preta” Luiza de nação “Mussandi” (?) (escravizada por Francisco Xavier de Abreu) |
Manoel Cipriano Ferreira (solteiro) |
22 dias |
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30.09.1833 |
Joze |
Filho legítimo de Marcelino Correia e de Maria Luiza (ambos “crioulos captivos do Senhorio de Engenho Gargaú). Freguesia de Nossa Senhora do Livramento Santa Rita –PB, em virtude da licença do Rev. Vigário daquela freguesia Pe. Mathias Leal de Lemos) |
Francisco Xavier da Rocha (solteiro) e Silvéria Francisca Coelho (solteira) |
1 mês e 04 dias |
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13.10.1833 |
Vicente***** |
Filho legítimo de Marcos do Rego e Luiza Antônia de Jesus (“crioulos” escravizados por Caetano Joze de Almeida) |
Luiz da Franca Neves e sua esposa Agostinha de Goes (ambos “crioulos” livres) |
1 mês |
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13.10.1833 |
Joze***** |
Filho natural de Maria Crioula (escravizada por Pedro Joze de Gandra) |
Francisco Soares “Serino” (?), casado e Mariana Crioula, solteira e escrevizada por Joze Joaquim Gonçalvez |
2 meses |
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27.10.1833 |
Miguel***** |
Filho natural da “preta” Francisca de nação (escravizada por Ignácia Maria do Rozario) |
Martinho de Aragão (preto escravizado) e Dona Anna Bandeira de Mello |
15 dias |
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06.11.1833 |
Feliciano***** |
Filho natural da preta Izabel (escravizada por Antonio Joze Aranha) |
Antonio Joze da Silva (casado) |
1 mês |
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24.11.1833 |
Silvana***** |
Filha natural de Luiza (escravizada por Joze Antonio Lopes de Albuquerque) |
Anna (mulher parda escravizada por Benedito Joze Antonio Lopes de Albuquerque) |
Não consta. Apenas párvula. |
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29.12.1833 |
Dionízia***** |
Filha natural de Izabel Crioula (escravizada por Nicolao Pereira de Carvalho) |
Padrinho Luiz Gomes de Araújo (“crioulo” livre) e Marcelina Gomes. Ambos solteiros. |
Não consta. Apenas párvula. |
· * Batizou Vigário José Antônio Lima;
** Batizou Padre Batholomea Alves de Almeida;
*** Batizou Padre Joaquim Antônio Leitão;
**** Batizada em casa em perigo de vida por José Vicente Torres (branco e casado), “proprietário” da genitora;
***** não anotei o nome do Padre que batizou
****** Batizou o Padre Antônio José de Brito
******* Batizou Padre Antônio Lourenço de Almeida

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