quarta-feira, 22 de outubro de 2025

A VINDA DO PRESIDENTE DO STF E A INVISIBILIDADE DAS PRESAS TORTURADAS

 


Li que essa semana o Presidente do STF, Min. Edson Fachin, veio à Paraíba e se reuniu com representantes do TJPB para tratarem das condições dos presídios aqui. Fala-se na mídia local em um "Habite-se" para os presídios. O Ministro também foi levado a um presídio masculino da capital.  Mas e as presas? Por que mulheres presas são invisibilizadas? Sobre a Penitenciária de Reeducação Feminina Maria Júlia Maranhão há uma omissão do MPPB, TJPB, OAB-PB, e logicamente do Governo do Estado em punir os torturadores daquele ergástulo. É mais interessante criminalizar quem denuncia as torturas. Por que não levaram o Ministro ao Inferno Bom Pastor? Há mais de uma década o Presídio é dirigido por uma torturadora que protegeu os agentes torturadores que assassinaram Adriana de Paiva Rodrigues, que provocaram abortos em outras, cometeram racismo, espancaram, xingaram etc várias presas. Por que essa ilusão que mulheres não são capazes de torturarem mulheres? As torturas no Júlia Maranhão (Inferno Bom Pastor) seguem invisíveis. Não há interesse no Judiciário paraibano em reconhecer que foi enganado pelo Castelo de Bonecas para encobrir torturas, não há interesse em se indispor com o Comando da Polícia Militar que tem ligações com a Direção do presídio feminino da capital, não há interesse do Judiciário paraibano em reconhecer a omissão de membros. Preferem acreditar que o Estado torturador fez uma sindicância séria, mesmo sendo o violador, que enterrou uma presa assassinada após mais uma sessão de tortura sem certidão de óbito, mas que o Estado afirma que se suicidou. Eu gostaria muito de ser ouvida sobre tudo isso. 

Laura Berquó

terça-feira, 21 de outubro de 2025

BRASIL: O PAÍS DOS UNICÓRNIOS AZUIS

  


 

A expressão unicórnios azuis é uma metáfora inspirada na bela e triste canção "Mi Unicornio Azul" de autoria do compositor cubano Silvio Rodrigues e imortalizada na voz da cantora argentina Mercedes Sosa.

No Brasil, segundo a ONG Desaparecidos do Brasil (https://desaparecidosdobrasil.org/pessoas-desaparecidas/) há uma estimativa de mais de 50 mil crianças desaparecidas no país pelas causas violentas mais diversas:


"Sempre ouvimos falar que a estimativa do Governo Federal são 50 mil crianças desaparecidas todo ano, mas sabemos que o número é muito maior porque não há registros oficiais de todos os casos e isto ocorre devido à falta de informação sobre o assunto. Não existem campanhas esclarecedoras que ensinem os pais como agir no momento em que o seu filho desaparece, e esta falta de conhecimento piora ainda mais a recuperação da criança num tempo hábil.

Por que desaparecem?

A maior incidência de desaparecimentos ocorre devido ao tráfico de crianças por quadrilhas que atuam em território nacional e internacional, aliciam ou sequestram crianças para fins de venda de órgãos, trabalho escravo infantil, prostituição infantil e adoção ilegal.

Temos além dessas outras causas, são elas: crimes de pedofilia (estupro, a grande maioria com morte). Fuga de casa devido maus tratos dos responsáveis; Prostituição infantil; Mendicância; Dependência química; e outros."

Site https://desaparecidosdobrasil.org/


Nesse sentido, foi apresentado o Projeto de Lei nº  9.348/2017, de autoria do Deputado Federal Delegado Francischini (SD-PR) que tinha como proposta acrescentar um parágrafo 3º ao ECA, para comunicar imediatamente o desaparecimento de crianças e adolescentes às empresas de telefonia e redes sociais,
senão vejamos:


"O Congresso Nacional decreta:
Art. 1º O art. 208 da Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990,
passa a vigorar acrescido do seguinte § 3o:
“Art. 208.............................................................................
..........................................................................................
§ 2o A investigação do desaparecimento de crianças ou adolescentes será realizada imediatamente após notificação aos órgãos competentes, que deverão comunicar o fato aos portos, aeroportos, Polícia Rodoviária e companhias de transporte interestaduais e internacionais, fornecendo-lhes todos os dados necessários à identificação do desaparecido.
§ 3o A notificação de que trata o § 2o deverá ser repassada também:
I – para as empresas de telefonia, via serviços de mensagens – SMS, que enviarão alerta imediato e gratuito para os usuários da região do desaparecimento, contendo informações disponíveis do desaparecido;
II – para os sites de redes sociais, via publicação.

Art. 2º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação"

Na Justificativa do referido projeto, o Deputado Francischini informava que aproximadamente 200 mil pessoas desapareciam anualmente no Brasil. Ainda, o referido PL buscava alterar o ECA para determinar ALERTA IMEDIATO em caso de desaparecimento de crianças e adolescentes pelo sistema de Alerta Amber, senão vejamos:

"Acrescenta dispositivo à Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), para determinar ALERTA IMEDIATO em caso de desaparecimento de criança ou adolescente pelas empresas de telefonia e sites de redes sociais (Âmber Brasileiro)

(...)
JUSTIFICAÇÃO
O presente projeto tem como objetivo alterar o Estatuto da Criança e Adolescente, a fim de ajudar as famílias das pessoas desaparecidas a acharem seus parentes, com o uso das tecnologias do cotidiano. A iniciativa se baseia no modelo norte-americano conhecido como Alerta AMBER (America's Missing: Broadcast Emergency Response) ou Transmissão de Emergência para Americanos Desaparecidos. Em razão do desparecimento da menina Amber Hagerman, uma criança de 9 anos raptada e assassinada em Arlington, Texas, em 1996. O Amber Alert é um alerta no telefone celular, rádio, TV e outros meios de comunicação quando se acredita que uma criança ou jovem menor de 18 anos foi raptado. Em 2012, o Google se juntou ao time e também retransmite o Amber Alert para os usuários em tempo real."

O Projeto de Lei nº 9.348/2017 foi aprovado com substitutivo do Deputado Federal Kim Kataguiri (União-SP), e acrescentou sugestão de nova redação também no Estatuto da Pessoa Idosa e no Estatuto da Pessoa com Deficiência.


"CÂMARA DOS DEPUTADOS
Altera as Leis nºs 8.069, de 13 de
julho de 1990 (Estatuto da Criança e
do Adolescente), 10.741, de 1º de
outubro de 2003 (Estatuto da Pessoa
Idosa), 13.146, de 6 de julho de
2015 (Estatuto da Pessoa com
Deficiéncia), e 13.812, de 16 de
março de 2019, para estabelecer a
obrigatoriedade de alerta imediato
em caso de desaparecimento de
criança, de adolescente, de pessoa
idosa e de pessoa com deficiência,
denominado Alerta Pri."


Desde 17.07.2025 o referido Projeto de Lei foi encaminhado para o Senado Federal. Vamos acompanhar o andamento e voltar a tratar do tema dos "Unicórnios Azuis" brasileiros.

Laura Berquó



SOBRE O ASSÉDIO MORAL QUE ESTOU SOFRENDO NO INSTITUTO E O RETORNO DE PARLAMENTARES SOBRE A DENÚNCIA


" O bom nome da família, o bom nome da instituição, o bom nome disso ou daquilo", nada mais branco e burguês. Não se denuncia violência contra mulheres e crianças pelo bom nome do pater, pelo bom nome da familia. O mesmo com instituições onde se promovem violência moral e psicológica com espisódios de assédio moral contra associadas mulheres.  É a intimidação estúpida e grosseira de integrantes que auxiliam no assédio moral, aguardando ter visibilidade com o aparelho da estrutura que as assediadas ajudam a manter com o pagamento de anuidade. A gente paga para ser assediada.  Escrevi para os Senadores da República e Deputados Federais para que não recebessem os estudos técnicos e pareceres de seus Projetos de Lei enquanto durasse essa situação de assédio. Comecei a receber já alguns retornos e um deles foi do Gabinete da Senadora Zenaide Maia (PSD-RN) que encaminhou o caso para análise da Procuradoria Especial da Mulher no Senado Federal - PROMUL, para ciência, análise e as providências cabíveis. 

Nem eu, nem mulher nenhuma seremos saco de pancada. 

Laura Berquó

domingo, 19 de outubro de 2025

MISOGINIA E O ENVELHECIMENTO COMO UM DIREITO PERSONALÍSSIMO



Um dos aspectos da misoginia é o etarismo, que sempre existiu, só que ultimamente tem enriquecido influencers que pregam o ódio às mulheres, dando ênfase à idade. O artigo 8° do Estatuto da Pessoa Idosa informa que o envelhecimento é um direito personalíssimo. Como direito personalíssimo se entende que é um direito absoluto, oponível "erga omnes", por ser extensão dos direitos da personalidade. Inclusive, discriminar idosos à luz do artigo 96 do referido Estatuto constitui crime.

As mulheres acima dos 60 anos estão protegidas, portanto, pelo Estatuto da Pessoa Idosa. Mas, e os casos de etarismo que envolvem mulheres com menos de 60 anos? Atualmente, há um controle da mulher muito interessante. Homens, relativamente jovens, têm se preocupado com a vida sexual das mulheres, com o envelhecimento das mulheres, com as atividades recreativas das mulheres, com o gosto pessoal das mulheres, etc, contribuindo com diversos tipos de violência contra estas, sendo a Lei Lola um importante instrumento para tentar coibir essas práticas em redes sociais, embora seja um instrumento legal pouco divulgado ainda.

 Realmente é algo assustador mulheres de 40+ tentarem provar que são iguais as de 20+, como reação aos discursos dos influencers REDPILLS, quando deveriam buscar denunciá-los à Polícia Federal.   A misoginia atual é, na verdade, uma reação à visibilidade feminina, alta qualidade competitiva e acesso ao mercado de trabalho por mulheres. Creio que como mulheres estão bem colocadas no mercado de trabalho aos 40+, a única possibilidade que resta aos homens inseguros é atacá-las para desestabilizá-las, para conferir-lhes o estigma misógino de desequilibradas, criando um ambiente tóxico para isso. A misoginia de homens insatisfeitos profissionalmente ou economicamente não é nova. Em "A Feiticeira" de Jules Michelet, um aspecto dentre outros é a da 'feiticeira solteirona' excluída do "mercado matrimonial". Mas  Michelet também retrata a França medieval em que a violência doméstica contra mulheres, em especial contra campesinas, rotuladas como velhas bruxas, bode expiatório da frustração do sistema da época, era muitas vezes resultado da frustração dos descendentes masculinos que eram despojados do direito de herança por não serem primogênitos e muitas vezes não concorreriam em condições com os demais irmãos ou homens do lugar no "mercado do matrimônio" tendo que conviver com essas senhoras de sua família projetando de forma violenta a sua insatisfação do dia a dia. A misoginia etarista, era, portanto, resultado da frustração econômica desses homens. A misoginia é sempre uma projeção covarde. Diferente não é o alerta que nos traz Robert A. Johnson em "He - A Chave da Psicologia Masculina" em que ao discorrer sobre a ânima rejeitada, ela se vinga como projeção dos homens em suas esposas quando mais velhas. Há aí obviamente um descompasso existencial. Devemos é nos unir para que a misoginia seja sim, tipificada, torne-se crime, mas nunca tentarmos provar a esses homens feridos na sua masculinidade se correspondemos ou não às suas expectativas. Embora possa ser rechaçada a criminalização da misoginia, por ir de encontro à política antipunitivista, covardes só veem, às vezes, limites na lei , como no caso da criminalização do racismo. Embora estejamos longe de uma sociedade livre de racismo, a Lei Caó tem freado muito covarde racista. Envelhecer é um direito, sem nenhum tipo de violência psicológica e todo misógino age com dolo quando parte para provocações e desrespeito a uma mulher em razão de um fenômeno natural como o envelhecimento.

Laura Berquó







sexta-feira, 17 de outubro de 2025

O RIO DE JANEIRO E A IMIGRAÇÃO CHINESA



Revista Illustrada, n° 154 de 1879, disponível na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional

O Rio de Janeiro e a Imigração Chinesa 


Segundo Maria Lúcia Lamounier, em "Da Escravidão ao Trabalho Livre", os chineses chegaram ao Brasil a partir de 1813 para plantação de chá a pedido de Dom João VI, antecedendo a imigração europeia para fins de exploração da mão de obra. Esta teve início na década de 1830 com o fim oficial do tráfico negreiro e com as companhias que lucraram com a vinda de europeus, dentre elas a do Senador Vergueiro.

Na primeira onda imigratória chinesa, o contigente de mais de 300 chineses se estabeleceu em fazendas da zona oeste da cidade do Rio e no centro-sul fluminense. 

A Vista Chinesa é uma homenagem a esses imigrantes.

Na primeira onda imigratória chinesa, não havia ainda a legislação do colonato, que estabelece no Brasil o início do trabalho subordinado. Essa legislação só surge com a Lei de 13 de setembro de 1830.

 A presença chinesa se fez forte na cidade do Rio de Janeiro até inicio do século XX, com grande quantidade de famílias chinesas pobres que moravam no Morro do Castelo e eram responsáveis pelo tráfico de ópium, segundo nos conta os cronistas João do Rio e Luís Edmundo. 

Os chineses, juntamente com imigrantes portugueses e italianos, faziam parte da população estrangeira em situação de pobreza, moradores do Morro do Castelo e que eram notícia nas páginas policiais. 

Entretanto, conforme registra João do Rio, em A Alma Encatada das Ruas, italianos e portugueses pobres faziam parte da população carcerária masculina carioca em 1908. Não cita chineses.

A obra de José Roberto Leite Teixeira, "A China no Brasil: influências, marcas, ecos e sobrevivências chinesas na sociedade e na arte brasileiras", é citada nesse registro da Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional, sobre reivindicações desses trabalhadores chineses que viviam em condições precárias. 

Os nomes desses imigrantes chineses eram compostos por prenomes e patronímicos portugueses, porque eles eram naturais de Macau.


"No início do século XIX, 51 chineses reuniram-se no Rio de Janeiro para demandar do rei Dom João VI a possibilidade de ter um representante que os auxiliasse na garantia de seus direitos no Brasil. A petição e abaixo-assinado encaminhados pediam a nomeação do chinês Domingos Manuel Antônio como intérprete, diretor e cônsul dos declarantes. Segundo eles, apesar de sua utilidade à população, agricultura e comércio brasileiros, os chineses “se vêem nas tristes circunstâncias de não ter um intérprete, que possa transmitir perante os Tribunais e Justiças de Vossa Majestade aquilo que é de seu direito e justiça representar”. (LEITE, 1999, p.269)

Não saber português era apontado como impedimento para o acesso a direitos e “se tem da falta originado gravíssimos prejuízos aos suplicantes, não só físicos como morais” (LEITE, 1999, p. 269). Apesar da ausência de resposta às suas reivindicações, denunciavam o descaso do Estado com sua condição de imigrantes, situação comum a boa parte dos cerca de 3.000 chineses que estima-se terem chegado ao Brasil durante o século XIX. Parte do problema observado naquela petição pode ser vista como uma constante do trato do Estado Imperial brasileiro dispensado aos chineses, que se justificava pela imagem construída sobre eles naquele período."


Mais informações podem ser acessadas no link da hemeroteca digital da Biblioteca Nacional:

https://bndigital.bn.gov.br/dossies/historia-da-ciencia/raca-amarela-a-ciencia-nos-debates-da-imigracao-chinesa-no-brasil-do-seculo-xix/

Aos meus antepassados chineses, a minha gratidão.

Laura Berquó

PARTE 2. O "NOVO EUROPEU" E A BRANQUITUDE BRASILEIRA: O CONSTITUCIONALISMO MULTINÍVEL





 PARTE 2. O "NOVO EUROPEU" E A BRANQUITUDE BRASILEIRA: O CONSTITUCIONALISMO MULTINÍVEL 


          No texto anterior falamos do projeto expansionista europeu, que tem no reconhecimento de cidadãos pelo critério de sangue como uma das estratégias de expansão da Europa extraterritorialmente.

               Em países colonizados, a branquitude vê como um direito o seu reconhecimento enquanto europeu, ainda que por meio de uma ascendência distante. Essa primeira parte se encontra aqui disponível:


https://epahey2015.blogspot.com/2025/09/do-brasil-ser-um-pais-que-sempre.html?m=1


     Essa proposta expansionista europeia, que na Itália sofreu limitações recentes com a extrema-direita, porém, não protege seus novos “nacionais” de violações com base na xenofobia e racismo, como já afirmado na primeira parte. Embora haja legislação específica para repressão de tais práticas, conforme a Lei nº 93, de 23 de agosto de 2017   da República Portuguesa, por exemplo, a xenofobia e o racismo são praticados corriqueiramente. 

           Esses "novos europeus" assam a ser inclusive os oprimidos dentro de uma visão interseccional, quando comparados com os nacionais naturais e pertencentes ao grupos étnicos originários desses países europeus. O conceito de interseccionalidade desenvolvido por Kimberlé Crenshaw após a Conferência de Durban como crítica ao racismo patriarcal conceitua a interseccionalidade como cruzamento dos sistemas de opressão que se sobrepõe um ao outro se interligando pelos critérios de classe (capitalismo), gênero (cisheteropatriarcado) e raça/cor (racismo) (AKOTIRENE: 2019).

             Segundo Ingolf Pernice, a crise europeia não é só financeira, mas de democracia e mentalidade. Muitos europeus estão descrentes com relação às instituições de seus países e rejeitam a possibilidade de sucesso de uma integração europeia. E questiona “What has all this to do with “multilevel constitucionalismo?”. (2018, p. 542) 

      Para Pernice, a crise democrática e de mentalidade se dão visivelmente desde 2013 com a ascensão em diversos países europeus de orientações ideológicas diversas, sendo o constitucionalismo multinível a possibilidade de integração por meio da União Europeia desses países em prol de seus cidadãos. Prossegue questionando a natureza da União Europeia a partir da dificuldade do senso comum em não entender que se trata de uma entidade abstrata e não um Estado Federal. 

  Diante disso, como salvaguardar brasileiros com dupla nacionalidade de violações de direitos humanos decorrentes de xenofobia e racismo em países diversos do continente europeu? Um dos problemas da branquitude brasileira é que enquanto são lidos como brancos no Brasil, no continente europeu e nos EUA são vítimas de racismo, porque são pessoas vistas como racializadas e expostas ao preconceito forjado na ideia de uma supremacia branca colonialista. 

  Neste caso, o constitucionalismo multinível deveria ocorrer como forma dialógica, sendo segundo Melina Girardi Fachin, os Direitos Humanos a “língua” comum entre os países quando não observados as disposições constitucionais. O Brasil e países europeus membros da União Europeia devem, portanto, adotar de forma dialogada e com espeque no Princípio “Pro Persona” a proteção dos direitos humanos de brasileiros que pelo critério de sangue, ou por concessões outras como a via sefardita, também gozam de uma nacionalidade de país europeu. 

       Segundo Igor Luis Pereira e Silva, o constitucionalismo multinível será capaz de unir a diversidade de povos em prol da expansão dos direitos humanos.

 

,"O constitucionalismo multinível envolve a busca dessa norma superior, que irá unir diversos estados, culturas e pessoas, em prol da expansão dos direitos humanos e da solução de problemas supranacionais. As ordens jurídicas se interligariam, com o fim de solucionar conflitos comuns, criando uma ordem social estrutural superior. Temos como exemplo a tentativa de criação da Constituição Europeia, no bloco regional da União Europeia. Sob a ótica do constitucionalismo multinível, já poderíamos definir que já existe, em sentido material (apesar de não-formal) uma Constituição Europeia." (PEREIRA:2023)

 Embora, a discussão acerca de um constitucionalismo multinível esteja  acontecendo, não se pode olvidar os estudos de José Augusto Lindgren Alves quando ao discorrer sobre a Declaração de Viena ‘de que os direitos humanos extrapolam o domínio reservado dos Estados’. (2013: p. 28-29)

    Por fim, Flávia Piovesan trabalha com o Princípio Pro-Persona, quando da fixação da norma mais favorável em matéria de Direitos Humanos, sendo as legislações e tratados em matéria de Direitos Humanos em geral, regras mínimas de proteção desses direitos (2013, p. 158). Infere-se que a soberania estatal como desculpa tradicional para o não-diálogo entre países quando se trata de violações de direitos humanos, não deve, portanto, prosperar.


REFERÊNCIAS:


AKOTIRENE, Carla. Interseccionalidade. São Paulo: Sueli Carneiro; Pólen, 2019.

ALVES, José Augusto Lindgren. Os direitos humanos como tema global. São Paulo: Perspectiva, 2013.

FACHIN, Melina. Constitucionalismo Multinível e Jurisdição Convencional. In: https://www.youtube.com/watch?v=Tt68RNexc0c

 PEREIRA, Igor. O que é constitucionalismo multinível de Ingo Pernice (ou multilevel constitucionalism)? In: https://direitonovo.com/justica/direito-constitucional/o-que-e-o-constitucionalismo-multinivel-de-ingolf-pernice-ou-multilevel-constitucionalism/ Acessado em 26 de janeiro de 2024

PERNICE, Ingolf. Multilevel constitucionalismo and crisis of democracy in Europe.In: European Constitucional Law Review, 11: 541-562, 2015 Acesso em www.cambridge.org

PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 14 ed. Saraiva: São Paulo, 2013.


Laura Berquó

quinta-feira, 16 de outubro de 2025

MEDEIA E A SUBVERSÃO DA ORDEM

 

Foto: Internet

DIREITO DE GLÁDIO: MEDEIA E A SUBVERSÃO DA ORDEM PATRIARCAL


O mundo adultocêntrico é produto do patriarcado e a violência de uma mulher contra seus filhos é uma autorização, ainda que tácita do poder masculino, conforme Heleieth Saffioti, em Gênero, Patriarcado e Violência. O patriarcado surgiu como fenômeno capaz de se fazer onipresente e de formas variadas no mundo com o surgimento da propriedade privada, conforme Friedrich Engels em sua obra A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado. Na sociedade ocidental de formação greco-romana, vê-se historicamente o direito de gládio (de vida e de morte) sobre os filhos menores na esfera privada, como analisado por Michel Foucault em História da Sexualidade. A Vontade de Saber. No Brasil até a publicação do Código Criminal de 1830, os maridos exerciam o direito de gládio sobre as mulheres em caso de adultério, por exemplo.  E assim, Medeia choca, não porque matou seus filhos somente, mas porque subverteu a ordem, já que os filhos eram extensão de Jasão e não dela. No entanto, estava à ela, imposto por Jasão, um lugar que ela não queria, a de ser descartada, porque não era mais útil. Por que teria Medeia que se sujeitar ao papel que o seu homem queria lhe destinar? Ela que além de ser "má" era também uma grande "feiticeira", uma mulher com seu poder, mas limitado às expectativas daquele mundo grego, em que mulheres poderosas eram feiticeiras, e só. Medeia matou seus filhos? Não. Ela matou os filhos de Jasão, matou os filhos que eram extensão do pai, do homem. Que mal fez então em usurpar o poder daquele que resolveu dispor de sua sorte, após usar de seu poder, dizendo qual seria agora seu lugar no mundo? Ela, que diferente de Ariadne, a abandonada, não se perdeu psicologicamente no labirinto de onde um poderoso herói foi erguido por um fio, o fio de uma mulher apaixonada? O arquétipo de Medeia representa a subversão de uma ordem patriarcal, uma vez que ela usurpa esse direito de gládio e autodeterminação. A tragédia de Eurípedes é apenas uma forma naquele mundo misógino e adultocêntrico de empoderar mulheres. Após assassinar seus filhos, Medeia, recomeçou sua vida longe de Jasão, com seu poder de Bruxa reconhecido, poder que um dia foi capaz de honrar um amor ingrato. E os filhos de Medeia? Vítimas do mundo adultocêntrico, eles não eram as personagens mais importantes da tragédia. Nem sempre a emancipação da mulher irá livrá-la de cometer violências.


Laura Berquó