O PRINCÍPIO DA BUSCA DO PLENO
EMPREGO À LUZ DA ORDEM ECONÔMICA DE 1988: a valorização dos fatores mão-de-obra
e empresariedade
1. INTRODUÇÃO
O
presente artigo corresponde ao primeiro capítulo da dissertação de mestrado
defendida em 05 de abril de 2006, no Programa de Pós – Graduação em Direito da
UFPB, intitulada “O Princípio da Eficiência na Busca do Pleno Emprego”, sendo
que o referido capítulo intitulado “O Princípio da Busca do Pleno Emprego” foi
readaptado para atender aos novos acontecimentos econômicos e políticas
desenvolvimentistas adotadas pelo atual Governo do PT, a partir da criação do
PAC e de expansão de políticas sociais desmercantilizadoras em detrimento de
uma verdadeira promoção dos fatores mão-de-obra e empresariedade, em
conformidade do que preconiza atualmente o princípio da busca do pleno emprego.
A pesquisa é basicamente qualitativa com base em fonte bibliográfica.
A doutrina
jureconomista pouco fala sobre o conceito de pleno emprego, pois o limitam ao
emprego da mão-de-obra. Apesar da ênfase dada não só pelos juristas, mas também
por economistas, em direcioná-lo para o emprego da mão-de-obra, o pleno emprego
não pode ser alcançado ignorando os demais fatores de produção da economia, que
são no total cinco fatores: mão-de-obra e empresariedade (fatores humanos),
capital, tecnologia e recursos naturais.
Todos devem ser harmonizados entre si, isto
porque a capacidade empresarial é o fator responsável pela mobilização dos
demais fatores de produção e o fator recursos naturais para ser considerado um
fator de produção depende do fator tecnologia, em virtude de que a falta de
acesso a um recurso natural por ausência de tecnologia específica, essa
potencialidade não será considerada fator recurso natural. O pleno emprego
ocorre justamente quando toda a potencialidade de um país é empregada, sendo
esta expressa pelo estoque de fatores de produção.
Ocorre que em determinado momento, algum
fator de produção será prestigiado, sem excluir os demais. Na Ordem Econômica
de 1967/1969 o fator capital que se traduzia na infra-estrutura econômica, por
exemplo, era o fator prestigiado naquele período. Já a Ordem Econômica de 1988
prestigia os fatores mão-de-obra e empresariedade, conforme se infere da
leitura dos artigos 1º, IV e 170, caput do
Estatuto Básico de 1988.
O desafio atual, em virtude da necessidade de
se respeitar e atender aos fundamentos do Estado brasileiro que se traduzem também
na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, é o de não promover
políticas públicas de natureza recessiva que não preservem postos de trabalho
bem como não incentive a oportunidade de expansão e sobrevivência das empresas,
em especial da empresa nacional de pequeno porte, conforme inteligência do
art.170, IX da Constituição Federal de 1988.
2. O PLENO EMPREGO E A
ORDEM ECONÔMICA BRASILEIRA
Em 09 de julho de 1964,
a Organização Internacional do Trabalho realizou a Convenção Política de
Emprego n.º 122. No Brasil, a Convenção foi ratificada pelo Decreto Legislativo
n.º 61, de 30 de novembro de 1966 e promulgada em 24 de março de 1969.
Entretanto, a Constituição de 1967, inicialmente, não inseriu em seu texto o
princípio da busca do pleno emprego, tal como se encontra na Constituição
Federal de 1988. Outro documento legal dos anos de 1960 que registra a expressão
pleno emprego é o Estatuto da Terra em seu artigo 1º, § 2º condicionando a política
agrícola ao atendimento do pleno emprego.
Somente
com a Emenda Constitucional n.º 01/69 é que a busca do pleno emprego, na
condição de princípio constitucional, foi trazido a lume pela Ordem Econômica
brasileira, não com a nomenclatura hoje conhecida, mas como expansão das oportunidades de emprego
produtivo. O art. 157 da Constituição Federal de 1967, antes da EC n.º
01/69, trazia como um de seus princípios a
harmonia e a solidariedade entre os fatores de produção, mas não a
expressão expansão ou busca do pleno emprego dos fatores de
produção. Ainda, na Carta de 1937, o artigo 135 também utilizou a expressão fatores de produção, quando tratava da
intervenção do Estado no domínio econômico para coordená-los. Infere-se que o
conceito de fatores de produção já era conhecido nos textos constitucionais,
antes do acréscimo da expressão expansão
com a EC n.º 01/69 e busca do pleno
emprego da Carta atual.
A
partir da Constituição Federal de 1988, o princípio
da expansão das oportunidades de emprego produtivo passou a se chamar princípio da busca do pleno emprego. Os
princípios da Ordem Econômica de 1988 visam à promoção da existência digna dos
cidadãos, como ditames da Justiça Social tendo como fundamento a valorização do
trabalho humano e da livre iniciativa.
Tal
distinção é necessária para a qualificação do princípio em questão. Os
princípios declinados no artigo 170 da Constituição Federal de 1988 são em sua
natureza princípios constitucionais impositivos, impondo ao gestor público o
dever de aplicá-los para alcance dos objetivos idealizados pelo legislador
constituinte. Nesse diapasão, trata-se das normas – tarefa de Gomes Canotilho
(GRAU: 1997, PP. 262-263), normas cogentes que forçam o Poder Público a aplicar
políticas que atendam a determinado fim, podendo ser suscitada a
inconstitucionalidade de atos contrários.
Infere-se
que a resposta à adoção de políticas públicas de caráter recessivo será a
inconstitucionalidade dos atos que provoquem esse resultado. Entretanto, a
Ordem Econômica não está fundada somente na valorização do trabalho humano, mas
também na livre iniciativa. A valorização do trabalho humano e a livre
iniciativa são o alicerce da Ordem Econômica brasileira, logo, dois fatores de
produção são prestigiados sem desconsiderar os demais: o fator mão-de-obra e
empresariedade.
A
Ordem Econômica de 1967/1969 tinha como fundamento o desenvolvimento nacional e
a justiça social. A valorização do
trabalho humano e a expansão das
oportunidades emprego produtivo, dentre outros, eram princípios que
viabilizariam os dois princípios que fundamentam a Ordem Econômica e Social,
após a Emenda Constitucional n.º 01/1969. Antes da Emenda Constitucional n.º
01/1969, o fundamento da Ordem Econômica de 1967 era somente a Justiça Social.
Uma
das propostas da Carta de 1967/1969 era a realização da Justiça Social através
da Ordem Econômica, esta vinculada aos princípios de justiça distributiva.
Conforme ensinamentos de Modesto Carvalhosa, a justiça distributiva seria a
tradução, no plano econômico, da justiça social (1972, p.p. 59-61). Ressalte-se
ainda que o entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre a Emenda
Constitucional n.º 01 de 17 de outubro de 1969, outorgada pelos Ministros da
Guerra, da Marinha e Aeronáutica, é na verdade uma outra Constituição, haja
vista que determinou inclusive quais dispositivos da Constituição Federal de
1967 estavam revogados e quais ainda vigorariam, tratando-se não de um caso sui generis de processo constituinte mas
de mais uma Constituição outorgada, a exemplo da Constituição Imperial de 1824
e a Constituição Federal de 1937.
Apesar
da Ordem Econômica de 1967 e 1969 ter como um de seus fundamentos a justiça
social, o que se viu no início dos anos de 1970, principalmente após o dito
Milagre Econômico foi a maior concentração de renda da história econômica do país.
A valorização do trabalho humano e a livre iniciativa eram princípios da Ordem
Econômica de 1967 e não fundamento da mesma, não havendo primazia desses
fatores sobre os demais fatores de produção.
A
Ordem Econômica de 1969 tinha como fundamento o desenvolvimento nacional. Este
precedia, no caput do artigo 160 da
Constituição Federal de 1969 (conforme o entendimento do STF e não simples
Emenda à Constituição) o princípio da justiça social. É de suma importância
observar a ordem desses princípios. A justiça social estava atrelada ao
desenvolvimento nacional, devendo este ser alcançado primeiro. A justiça social
seria a conseqüência do desenvolvimento econômico, o que parece óbvio. Porém,
infere-se que não existia a primazia do fator trabalho. Todos os fatores de
produção deveriam ser mobilizados para o alcance do desenvolvimento nacional e
posterior promoção da justiça distributiva.
Eros
Roberto Grau (1997, p. 263) afirma que
o princípio da busca do pleno emprego, constante do Estatuto Básico de 1988,
assegura indiretamente o fator trabalho. Sua justificativa é que o princípio
referido não inclui somente o fator mão-de-obra, mas também os demais fatores
de produção. Na verdade, era a Ordem Econômica e Social de 1967 e de 1969 que
assegurava indiretamente o pleno emprego do fator trabalho como conseqüência da
mobilização dos demais fatores de produção.
Apesar do princípio da expansão das
oportunidades de emprego produtivo ter sido interpretado pela maioria de seu
tempo como garantidor do pleno emprego da mão-de-obra, a valorização do
trabalho humano não era o fundamento da Ordem Econômica anterior, mas um de
seus instrumentos. Já a Ordem Econômica de 1988 prestigia diretamente o fator
mão-de-obra ao trazer como um de seus fundamentos a valorização do trabalho
humano.
A Constituição Federal de 1967 (antes
da Emenda Constitucional n.º 01/1969) tinha como princípio a harmonia e solidariedade entre os fatores de produção, apesar de
trazer também os princípios da liberdade
de iniciativa e a valorização do trabalho humano. A Ordem Econômica de 1967
era uma ordem econômica indefinida,
que não expressava claramente a ideologia adotada, os mecanismos de realização
desses princípios, tendo sido enunciados sem conexão com o resto do texto
constitucional (CÔRREA: 1969, p. 80). Os parágrafos seguintes do artigo 157
estavam conexos apenas com o princípio da função social da propriedade e
repressão ao abuso do poder econômico.
Segundo
Themistocles Cavalcanti, ao tratar das formas de intervenção econômica do
Estado, previstas na redação original da Carta de 1967, afirma que a livre
empresa e a gestão direta pelo Estado, como suplementar à atividade privada,
com base no artigo 157, I, e artigo 163, eram os instrumentos principais para o
alcance da justiça social (1969, p. 164).
A
partir da Emenda Constitucional n.º 01/1969, a interpretação correta dada ao princípio da expansão de emprego produtivo,
não seria o de tomá-lo exclusivamente como pleno emprego do fator trabalho.
Essa confusão é mais aceitável com relação à Ordem econômica de 1988,
justamente porque a valorização do trabalho humano é um de seus fundamentos ao
lado da livre iniciativa.
Na
verdade, o fator de produção prestigiado nos anos de 1960 foi o fator capital.
Trata-se do capital internacional das multinacionais, pois a partir do governo
de Juscelino Kubistschek de Oliveira, a economia brasileira sofreu um processo
de desnacionalização. Após a Segunda Grande Guerra Mundial, os EUA precisaram
investir o capital que foi acumulado. Assim, as multinacionais são criadas
entre as décadas de 1940-1960 (SANTOS, 2000, p. 26).
3 . DA
INCONSTITUCIONALIDADE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS RECESSIVAS
Na busca pelo pleno
emprego dos recursos de produção, em especial do fator mão-de-obra e
empresariedade, considerando o disposto no artigo 1º, IV e artigo 170, caput, da Constituição Federal, podem as
políticas públicas de caráter recessivo ser consideradas inconstitucionais?
O princípio da busca do
pleno emprego pode ser classificado, segundo a tipologia apresentada por
Canotilho como principio constitucional
impositivo, impondo ao legislador “a realização de fins e a execução de
tarefas. São, portanto, princípios dinâmicos, prospectivamente orientados”
(CANOTILHO: 1998, p. 1040)
Em face do princípio em
tela, reclama-se por políticas públicas para a sua promoção. Ressalte-se que o
alcance da proposta estabelecida pelos princípios da Ordem Econômica tem como
objetivo viabilizar os fundamentos desta (valorização do trabalho humano e
livre iniciativa) e alcançar o os seus fins propostos (assegurar a todos
existência digna) em conformidade com os ditames da justiça social. Portanto,
os princípios elencados no artigo 170 do Estatuto Básico de 1988 são princípios
constitucionais impositivos.
As políticas públicas
recessivas afetam a possibilidade de se alcançar o pleno emprego. Nesse
contexto tornasse difícil garantir a todos existência digna e atender e a
justiça social, esta entendida como justiça distributiva (CARVALHOSA: 1972, p.
59). Concorda-se, portanto, com Eros
Roberto Grau quando da possibilidade de se reconhecer a inconstitucionalidade
de políticas públicas recessivas, decorrente do caráter impositivo do princípio
da busca do pleno emprego, e não somente do seu caráter conformador, pois são
princípios constitucionais impositivos que reclamam políticas para sua
implementação, conforme classifica Grau.
Os princípios
constitucionais conformadores refletem a ‘ideologia inspiradora da
constituição’ (CANOTILHO: 1998, p. 1039). Eros Roberto Grau refere-se ao
caráter conformador do princípio por ser a CF/88 uma Constituição Dirigente,
refletindo a ideologia de um Estado Social por meio de suas normas programáticas.
As ações
político-econômicas devem sempre respeitar a Constituição. Não importa os
interesses dos grupos econômicos, mas o gestor que cuida da implantação das
políticas públicas, e demais elaboradores, deve, antes de tudo, cuidar do bem
comum que também poderá apresentar um conceito histórico, variável, como também
por exemplo, o conceito de interesse público, conforme se verifica a partir dos
modelos de gestão do Estado advindos com as várias Reformas Administrativas. Os
princípios, sejam eles constitucionais ou não, são normas jurídicas, e como
tais são expressões de um dever-ser.
A atividade econômica
reveste-se de um valor de conduta, de um dever-ser econômico. Não deve o Poder
Público conceber o processo produtivo como um fenômeno mecânico (CARVALHOSA:
1972, p. 60). O descumprimento das normas jurídicas gera um clima de incerteza
na sociedade, comprometendo a segurança que é o fim imediato do Direito, sendo
condição necessária para a realização da justiça (NÓBREGA: 1975, pp. 73-74).
A não observância das
normas constitucionais gera insegurança porque a realidade imposta não condiz
com os fins almejados pelo constituinte, representante da sociedade. O
princípio jurídico é espécie de norma jurídica, não havendo como ‘se negar ao
princípio constitucional a sua natureza de norma, de lei, de preceito jurídico,
ainda que com características estruturais e fundamentais bem diferentes de
outras normas jurídicas, com as regras de direito’ (ESPÍNDOLA: 2002, p. 80).
O princípio
constitucional da busca do pleno emprego, pelo seu caráter impositivo, de
reclamar por políticas públicas para sua efetivação, torna inconstitucionais as
políticas públicas de natureza recessiva. Apesar do princípio da busca do pleno
emprego possuir natureza de norma programática, sendo um dos instrumentos para
alcance do fim proposto pelo art. 170 da Constituição Federal de 1988, a sua
violação importa em inconstitucionalidade. Nesse caso, qualquer lei que atente
contra qualquer princípio da Ordem Econômica deve ser declarada inconstitucional
(SILVA: 2001, p. 166).
4. DAS POLÍTICAS DESMERCANTILIZADORAS E
O PRINCÍPIO DA BUSCA DO PLENO EMPREGO
Numa
época em que existem políticas sociais de redistribuição de renda para a
população carente brasileira, como ficaria a análise do Princípio da Busca do
Pleno Emprego mediante a adoção do Princípio da Desmercantilização das
referidas políticas com recorte social?
O
conceito de políticas públicas desmercantilizadoras segue o entendimento criado
por Gosta Esping-Andersen
“Seguindo
a linha de Marx e Polany, Esping-Andersen (1990) inovou ao formular uma
concepção mais ampla e "generosa" de se analisar as políticas
sociais, isto é, concebê-las e estudá-las à luz das possibilidades de desmercantilização
(decommodification)5
das relações sociais. Em outros termos, isso implica analisar as políticas
sociais tendo como referência o grau de autonomia e independência que essas
políticas conseguem garantir aos indivíduos e (ou) famílias de sobreviverem
para além das relações do mercado. Conforme esse autor, uma definição mínima da
concepção de desmercantilização deve incorporar a possibilidade de cada cidadão
em decidir e (ou) optar livremente por não trabalhar quando assim considerar ou
julgar necessário, podendo e tendo como sobreviver dignamente
para além da participação no mercado (Esping-Andersen, 1990, p.23). Outrossim,
desmercantilização refere-se ao grau em que indivíduos podem manter um nível de
vida tolerável, independentemente da obrigação de participarem no
mercado de trabalho. As políticas sociais devem, portanto, ser concebidas pelos
Estados de Bem-Estar, que regulam a oferta e a demanda de trabalho. Para
Merrien (2002), esses Estados podem ser classificados em fortes, médios ou
fracos quanto à possibilidade de oferecerem legalmente aos indivíduos oportunidade
de saírem mais ou menos fortes em relação ao mercado. Em
virtude disso, Draibe e Riesco (2006) qualificam a concepção de
desmercantilização como uma característica inovadora do direito social de
cidadania”. (Zimmermann e Silva: 2009)
O
Princípio da Desmercantilização já é adotado em políticas sociais como o Bolsa Família,
em que pese a exigência de contrapartida, como matrícula de filhos em idade
escolar e assiduidade escolar, bem como vacinação das mesmas, ressaltando que
tais contrapartidas não são de cunho "mercantilizadoras", apesar da
educação ser sempre direcionada para o futuro mercado de trabalho, ou ainda,
"favor do Estado" para os mais pobres, que acabam por atender ao
mercado somente num ponto: a necessidade de pessoas que não possuem uma boa
formação para aceitarem os trabalhos mais mal pagos e mais humildes na escala
social. A educação obrigatória ocuparia o horário das crianças em risco
social, sobretudo daquelas que estudam em escolas públicas que aderiram ao
Mais Educação.
O Bolsa Família fortalece o/a
cidadão/ã que poderá impor um preço mais digno pelo seu trabalho e não se
submeter à exploração daqueles que usufruem do seu trabalho, sobretudo nas
relações de trabalhos domésticos e rurais, subvertendo a lógica do pleno
emprego desenvolvido pelos economistas clássicos de que a procura pelo
serviço para ganhar a vida, faria com que a economia operasse sempre em pleno
emprego, uma vez que os salários seriam ditados pelos proprietários dos meios
de produção e assim haveria emprego nas condições estabelecidas pelos
empregadores.
O
Princípio da Desmercantilização não se aplica a todas as políticas públicas, mas no caso
específico das políticas sociais que são políticas públicas com recorte
residual, seletivo, para um público em situação de pobreza ou de risco
social. Assim, o
Princípio da Desmercantilização equilibraria a ação do mercado sobre a vida das pessoas,
nos seus direitos sociais. Acabaria por viabilizar o Princípio Constitucional
da Dignidade da Pessoa Humana. Diferentemente da corrente liberal em defesa
da mercantilização do trabalho, o
Princípio da Desmercantilização ajuda através de políticas que diminuem a miséria, uma
vez que provoca ainda que pequena, uma redistribuição de renda, denominada de
justiça distribuitiva. Forçar ao trabalho pessoas sem o mínimo social é
forçá-las a entrar no mercado de trabalho sem poder de barganha, submetê-las
ao arbítrio do mercado, aliená-las haja vista que as mesmas não se identificariam
enquanto pessoas com vontade própria a um trabalho que melhor expressasse a
sua verdadeira vocação, ajudando ainda a concentrar a riqueza na mão de
poucos.
Por isso, o Princípio da Desmercantilização das políticas
sociais colabora também com o Princípio da Dignidade Humana e com o
fundamento constitucional da valorização do trabalho humano e incita o Estado
a criar postos e novas condições de trabalho que atendam o Princípio da Busca
do Pleno Emprego sem ferir os fundamentos da República Federativa do Brasil e
da Ordem Econômica de 1988.
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5. ATUAL CENÁRIO: o
Programa de Aceleração do Crescimento e o retorno ao desenvolvimentismo e os
índices de desemprego no Brasil
O Princípio da Busca do
Pleno Emprego denominado pela Ordem Econômica de 1969 nasce na verdade com a
denominação princípio de expansão das
oportunidades de emprego produtivo como visto. E também como já ressaltado
a sua primeira aparição na legislação pátria ocorre com o advento do Estatuto
da Terra.
Na verdade, o Princípio
da Busca do Pleno Emprego já nasce com seu viés desenvolvimentista,
prestigiando o fator capital. Para compreender esse quadro, deve-se reportar ao
período do Governo Juscelino Kubistsckek.
A partir de 1956, Juscelino Kubstschek de Oliveira, ao
assumir a Presidência da República, buscou descentralizar e modernizar a
Administração Pública, criando o que foi denominado Administração Paralela.
Assim foi possível executar o Plano de Metas que tinha como um de seus
princípios a eficiência. Adotava, assim como no Regime Militar o viés
desenvolvimentista, e assim como ocorreu no período do Milagre Econômico
verifica-se o acesso a recursos externos, alto endividamento público, com
crescimento de mais de 300%.
Na época do Milagre Econômico (1968-1973) as taxas de
juros do mercado internacional eram baixas, mas após 1973 e 1979 com as
crises mundiais do Petróleo o Estado Brasileiro apresentou uma situação de
insolvência perante os seus compromissos financeiros externos. Mas nem isso
foi suficiente para que após a gestão de Costa e Silva (período do Milagre
Econômico), o presidente Geisel que assumiu a Presidência do país entre 1974
a 1979, foi capaz de reduzir o volume de investimentos e gastos públicos, o
que mais tarde no período de do governo de João Figueiredo resultou em
elevados índices de inflação, em desemprego, baixo crescimento do PIB,
insatisfação dos movimentos de trabalhadores, sociais e de massa. Então,
apesar de ter ocorrido a expansão do fator capital através de uma
infra-estrutura econômica não antes vista, o Regime Militar deixou como
herança um passivo só equacionado a partir da criação do Plano Real no
Governo Itamar Franco.
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Mas durante o Regime de Ditadura Militar é que se verifica
realmente a adoção de metas desenvolvimentistas atreladas aos interesses do
capital externo, que refletiu na promulgação de legislações que assegurassem as
aspirações desenvolvimentistas. As principais ações do governo Castello Branco
(15.04.1964 a 15.03.1967) na área da reforma macroeconômica e de estruturação
financeira nacional foram: o ajuste das contas públicas, o controle da inflação
(orientação monetarista), criação do Plano de Ação Econômica do Governo
(PLAEG). A equipe formada pelos Ministros Octavio Bulhões (Fazenda) e Roberto
Campos (Planejamento) culpava o excesso do déficit público e os reajustes
salariais como responsáveis pelo aumento dos preços.
Houve no governo de Castello Branco medidas como: a criação
do FGTS (terminava a estabilidade nos empregos); a unificação da Previdência (o
que ajudava a custear obras públicas); criação do ICM, do ISS e do IPI;
pagamento de tributos por rede bancária; criação do Fundo de Participação de
Estados e Municípios. É bom ressaltar que nesse período em cumprimento com as
exigências assumidas pelo Brasil pela assinatura da Carta de Punta D’Este e sua
adesão ao Programa Aliança Para o Progresso o Brasil cumpriu com a promessa de
criar e alterar para se adequar as exigências norte-americanas as legislações
agrária, tributária, financeira e bancária. Na área agrária temos o Estatuto da
Terra de 1964, modelo capitalista de produção agrícola e primeiro documento
legal a utilizar a expressão “pleno emprego”; na área tributária temos a
criação dos tributos apontados e do Código Tributário Nacional; na área
financeira e bancária temos a legislação de 1964 que criou: bancos comerciais,
bancos de investimentos, o Sistema Financeiro da Habitação, o Sistema
Financeiro Nacional e o Banco Central do Brasil.
No atual modelo de Estado dito Societal inaugurado
com o Governo do PT em 2003, vê-se um retorno ao modelo desenvolvimentista com
pouca ênfase na expansão e promoção dos fatores mão-de-obra e empresariedade,
mas sim do fator capital como visto nos idos dos anos 1950-1960. Desde o ano de
2007, com a criação do Programa de Aceleração do Crescimento – PAC, para o
triênio 2007-2010 e com a criação da segunda fase do Programa de Aceleração do
Crescimento II – PAC II, instituído em 2010 para o triênio 2011-2014,
questiona-se se não está havendo um retorno ao modelo desenvolvimentista de
Estado próprio da Reforma Administrativa de 1967, com a expansão do fator de
produção capital.
Qual o programa de grande visibilidade do
governo federal para geração de emprego e renda? Existem na verdade programas
pontuais de geração de emprego e renda, sem maiores divulgações, a exemplo do
Plano Nacional de Emprego e Trabalho Decente (criado em 2010 pelo Ministério do
Trabalho e Emprego, com o objetivo de combater a pobreza e as desigualdades
sociais), em conformidade com as Convenções n.º 100 e 111 da OIT, ratificadas
pelo Congresso Nacional brasileiro, dentre outros mais antigos (PRONAF, PRONAGER,
etc).
Em que pese a expansão
do setor econômico, necessariamente não significa que o problema do desemprego
no país, bem como os problemas dos pequenos empresários, que são os maiores
geradores de emprego, sejam resolvidos. O que se percebe é que existe maior
interesse em se pautar as políticas públicas de maior visibilidade na expansão
do fator capital, ainda que com programas esparsos e pontuais de geração de
emprego e renda. Em compensação tem-se outro Programa Nacional de grande
visibilidade e sucesso que é justamente um programa de políticas sociais
desmercantilizadoras (como já exposto) para famílias de baixa renda, como o
Bolsa Família. Portanto, programas assistencialistas e de crescimento do fator
capital têm sido o carro-chefe da propaganda governamental, o que não debela o
desemprego, apesar de causar determinado alívio às camadas mais desfavorecidas
da população brasileira.
Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística, divulgados pela imprensa em 31.01.2013, informam que o desemprego
do mês de dezembro de 2012, apresentou o seu menor nível histórico, caindo para
uma taxa de 4,6%, quando a taxa do mês de novembro de 2012, apresentou uma taxa
de 4,9%. Ocorre que segundo o jornalista Rodrigo Viga Gayer da agência de
notícias Reuters Brasil, a expectativa de redução da taxa de desemprego,
segundo a média das previsões seria de uma taxa de 4,4% (Reuters Brasil, 2013).
Se compararmos com países como Espanha e Portugal que passam por grave recessão
e aumento das taxas de desemprego, o nível de desemprego nesses países
apresentou taxas históricas de 21,3% (2011) e 16,3% (2012), o que realmente
pode fazer acreditar que o Brasil não se encontra em recessão e que as taxas
apresentadas não são tão altas assim.
Mas ao analisar a taxa real de desemprego do
Brasil em outubro de 2012, quando a taxa informada tinha sido de, 5,3% para o
mês de outubro de 2012, 4,9% para o mês de novembro (IBGE), 4,4% para o mês de
dezembro de 2012 (IBGE), a taxa real de desemprego, segundo o DIEESE, foi de 21,4% para o mês de outubro de 2012,
verificando-se que não houve realmente uma política eficaz de combate ao
desemprego (DIEESE, 2012).
O ideal seria que os programas de crescimento
econômico pudessem se harmonizar com os vários programas pontuais de geração de
emprego e renda, ou então criar um Programa da grandeza do PAC voltado para a
geração de emprego e renda associado com o próprio PAC (no caso, nas suas
próximas fases, já que o PAC 2 tem término previsto para 2014).
5. CONCLUSÃO
A busca do pleno emprego dos fatores de
produção da economia é uma imposição para observância dos fundamentos
constitucionais dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa que
conduzem o espírito socioeconômico da Carta Magna de 1988.
O modelo econômico hegemônico imposto através
do processo de globalização contraria o princípio da busca do pleno emprego,
destacando-se o fator mão-obra e empresariedade (pequenas empresas, por
exemplo), conforme se verifica a partir da crise econômica pela qual passa
atualmente a maior parte dos países europeus. Portanto, questiona-se com base
no ordenamento constitucional brasileiro, podem as políticas econômicas de
caráter recessivo ser evitadas, caso se priorizasse o Dever-Ser, expresso
através das normas jurídicas, em especial dos princípios constitucionais?
Até que ponto as questões econômicas andam de
mãos desatadas com o Direito, sobrepondo o Ser, criado e fomentado por
interesses de um modelo hegemônico em detrimento do Dever-Ser? São
questionamentos que interessam ao estudioso do Direito Econômico e
Constitucional porque não haverá como se alcançar a Justiça Social e demais
fundamentos e objetivos erigidos pela Constituição caso o Direito seja
enfraquecido perante os ditames da Economia, que na maioria dos casos oferece insegurança
a toda ordem jurídica estabelecida.
Ainda, no momento atual, verifica-se uma
prioridade do Estado brasileiro na expansão da infra-estrutura econômica
através da criação do Programa de Aceleração do Crescimento nas suas duas fases
(triênio 2007-2010 e 2011-2014), o que caracterizaria em si, uma priorização do
fator de produção capital. Apesar da harmonização que deve acontecer na
expansão dos fatores de produção da economia, não se vislumbra, por exemplo, um
Programa Nacional para expansão do emprego da mão-de-obra e das empresas
nacionais de pequeno porte na mesma grandeza do PAC-PAC 2. Por isso, há o
receio que o fator de produção capital esteja sendo priorizado em detrimento
dos fatores mão-de-obra e empresariedade, que pela Ordem Constitucional atual
deveriam ser priorizados.
As políticas sociais
desmercantilizadoras, ainda que possam trazer benefícios à população
economicamente ativa de baixa renda aumentando o seu poder de barganha,
torna-se ao lado do programa desenvolvimentista PAC um dos carros-chefe do
atual modelo de Governo inaugurado em 2003 (apesar de políticas sociais
desmercantilizadoras terem surgido em número maior no Governo FHC), não atinge
obviamente o preconizado pelo princípio da busca do pleno emprego, mas gera uma
conformidade enquanto este não é devidamente implementado por meio de políticas
públicas que promovam em especial os fatores mão-de-obra e empresariedade.
REFERÊNCIAS:
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