sábado, 6 de janeiro de 2018

LA BEFANA


Foto da Internet

Todo dia 06 de janeiro é costume de italianos e alguns descendentes comemorarem o dia da Befana. Aqui na Paraíba, em João Pessoa, desde 2001, no mês de dezembro, antes do recesso, comemoramos La Befana no Centro Cultural Ítalo-Brasileiro Dante Alighieri, que carinhosamente também chamamos de comunidade italiana na Paraíba. Segundo o folclore italiano, a Befana é uma mulher idosa, cuja aparência se assemelha a de uma bruxa bondosa, que na madrugada do Dia de Reis, vem depositar nas meias das crianças italianas doces ou carvões dependendo do comportamento que estas tiveram no ano anterior. Se a criança se portou bem recebe doces, se portou-se mal recebe carvões. Obviamente, os pais que enchem as meias de seus filhos fazem uma mescla de doces e carvões. Não sei se atualmente as crianças penduram suas meias nas lareiras, onde costumavam os antigos cultuar o fogo sagrado em honra às deusas Vesta e Juno, deusas protetoras do lar, do casamento e da família. De qualquer forma, chegou até mim a informação por parte de minha avó materna, que na aldeia dela lá na Itália, as crianças camponesas tinham verdadeira veneração por La Befana. Relatava minha nonna que meu bisavô costumava encher as meias de suas filhas e do seu único filho homem [i] , Francesco[ii], com nozes e claro, um carvãozinho.  La Befana é muito mais que folclore ou uma bruxa que vem punir crianças mal comportadas. La Befana simboliza a própria lei do carma, do retorno, que vem gratificar aqueles que são merecedores e convidar à mudança aqueles que se encontram ainda aprendendo. Essa benevolência, apesar de ser ela aquela que vem para apontar e convidar à autocrítica deve-se ao fato da figura da Befana encontrar sua origem ainda no período Mesolítico/Neolítico ter sido prestigiada como deusas mães, fecundas e provedoras. La Befana representa a ancestralidade e por isso, porta o carvão para a sua descendência. Segundo o Dicionário de Símbolos de Jean Chevalier e Alain Gheerbrant, o carvão encerra em si todo um conjunto de potencialidades e uma vez aceso ocorre uma alquimia em que essas potencialidades seriam ativadas e desenvolvidas. La Befana vem mostrar, em seu sentido espiritual, ancestral, toda a potencialidade que possui aquele que recebe um carvão, como exortação para que se aprimore enquanto indivíduo. Os doces e carvões encontrados em meias penduradas sobre a lareira, segundo o Dicionário de Bruxaria Hereditária remeteria ao simbolismo do fuso, haja vista a confecção da meia ou de qualquer outra bolsa que possa ser posta para a passagem da Befana. Em alguns relatos as crianças também deixariam em troca um prato de comida para a Befana. Há uma troca clara de energia o que é comum nas religiões que se utilizam de alimentos como ofertas para as divindades. O fuso, ainda segundo o Dicionário de Símbolos, simbolizaria o próprio ciclo lunar, a confecção da própria vida a partir dos mistérios lunares, enquanto a lareira simbolizaria o aspecto masculino, solar. Portanto, La Befana sempre remeterá à vida na harmonização de todos os seus opostos e expansão de nossas potencialidades. Representa a continuidade das gerações e a necessidade de nos aprimorarmos para podermos manter a unidade na nossa convivência familiar em benefício da nossa própria sobrevivência. Ocorre que nossa Befana foi tratada de forma desrespeitosa com o advento do Cristianismo. La Befana é de origem pagã, antiga, ancestral, neolítica. Sua origem se confunde no tempo com o culto do Deus Fauno. Com o Cristianismo e com o protagonismo de figuras masculinas, La Befana foi “condenada” a viver como uma bruxa desesperada e errante, dando voltas no globo terrestre, porque teria se recusado a seguir os Três Reis Magos até a manjedoura do Menino Jesus. Na verdade, ela que na sua origem simboliza a própria necessidade de evolução de cada ser humano e a gratidão aos antepassados tornou-se uma figura rebelde que vaga sem direção, arrependida, e desesperada para conseguir enxergar a luz trazida pelo Menino Jesus. Realmente, La Befana não poderia ter sido tratada de outra forma pela nossa cultura patriarcal. Porém, fica aqui meu registro e gratidão a todas as mulheres da minha família que vieram antes de mim e com seus exemplos puderam construir a mulher que sou. Gratidão a todas e todos que vieram antes e com os ensinamentos repassados de geração em geração foram capazes de manter sua descendência em que pesem sacrifícios pessoais e colheita dura. Aos meus que morreram nas guerras ou pelas tristezas causadas por elas, minha eterna gratidão.

Laura Berquó


[i] o filho homem para os italianos sempre foi recebido com muita festa.
[ii] civil italiano assassinado na aldeia de Galeno durante bombardeio promovido por norte-americanos durante a Segunda Grande Guerra Mundial em 1944, aos 16 anos.

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