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A Pérola Negra de Fevereiro é ... |
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... nossa bela pernambucana no mês do Carnaval |
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Professora Universitária que estimula o respeito às diversas culturas e etnias |
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Bela e valiosa como uma pérola negra |
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quando ainda era uma promessa |
"MULHER, NEGRA, POBRE E NORDESTINA
Assim sou eu, Maria Luzitana
Santos, também conhecida por Luz Santos. Desde a adolescência, percebi que
estas “condições” não eram muito favoráveis, do ponto de vista social e
enquanto sujeito oprimido.
Também percebi que ser oprimida
não é ser vítima. Significa aceitar minha posição histórica na sociedade por
ser mulher negra. Posição que me foi apresentada desde a primeira infância, nos
insultos recebidos no jardim da infância quando era chamada de “nega do cabelo
pixaim”. Mas insulto por quê? É pixaim mesmo. E daí?
Pena que naquela idade não tinha
orientação política o suficiente para não me sentir inferiorizada. Que raiva! E
a posição de oprimida foi, por muitas vezes reforçada pelo discurso da então Diretora
da Escola: “ela é negrinha sim, mas tem alma branca”. Alma lá tem cor? Criança
sabe que alma não tem cor? Às vezes não. Mas criança sabe o que é ficar
constrangida só por existir. Isso não precisa ninguém ensinar.
Usar
farda, ter os chamados bons modos e fala tranquila nunca foi o suficiente para
que eu me sentisse liberta. A prova disso é que mesmo sabendo, à época, abrir
escalas e fazer vários passos de contorcionismo e piruetas, nunca fui chamada
para ser baliza nos desfiles da Independência. Será que foi apenas por que o
meu padrão negrinha não atendia ou por que nunca fiz a minha autodefesa? Por
que tinha que ‘esperar’ ser escolhida? Por que nunca fui atrás daquele lugar se
era tão importante para mim? Como tomar estas atitudes em um ambiente escolar
onde se diz que ser negro não é problema mesmo com o número minoritário de
negros?
Estudar
na melhor escola do bairro, aos olhos da minha família que dizia: vale apena o
esforço financeiro, assim você ‘será gente quando cresce’, não me parece, hoje,
a melhor das estratégias formativas. Às vezes, aprende-se muito mais sobre sua
identidade étnica nos ditos piores lugares. Piores para quem? Quem determina a
visão maniqueísta de melhor ou pior? Não duvide: há um sistema que
determina isso, inclusive ‘quem será gente’.
Depois das primeiras fases
formativas, veio o período do estágio quando fazia escola técnica. Tantos
lugares no mundo para estagiar, mas onde fui cair: no Sindicato dos
Cultivadores de Cana de Açúcar. Minha mãe, minha avó e minha bisavó tinham
trabalhado para a mesma família vinculada ao órgão. Como seria diferente para
mim? Destino traçado antes mesmo de eu nascer.
Então lá fui eu. Magricela,
extremamente tímida, mas muito sonhadora. Estudava pela manhã, engolia na hora
do almoço, corria para o curso de datilografia e passava a tarde toda no
estágio. Fiz excelentes e grandes amigos pelos quais tenho apreço e muito
carinho até hoje. Alguns infelizmente já falecidos. Mas há alguém que tenho
especial respeito pelo seu posicionamento humano, o meu ex-chefe, Dr. Scroggie
Hawson, então chefe do Departamento Jurídico Cível.
O FATO
Depois de mais de uma hora
procurando (e sem encontrar) um processo cível com prazo para defesa no dia
seguinte, ouvi de um sindicalista, fornecedor de cana, que não queria mais ser
atendido por uma negrinha. Que ele ia perder o prazo e por causa daquilo eu ia
“pagar” por não encontrar o processo dele. Seria demitida!
A SURPRESA
Em um ambiente no qual cheguei
literalmente pisando em ovos, mas que me firmei pelo compromisso com o trabalho
e aprendizagem, nunca esperei aquele tipo de tratamento no estágio. E o pior,
no momento estava praticamente sozinha no departamento. A secretária titular
tinha aproveitado que todos os advogados estavam viajando (em audiências em
outras cidades) e tinha ido ao médico, em uma consulta que há tempo precisa
fazer.
O MEU ERRO
Um técnico de informática ouviu e
presenciou tudo. Única testemunha, logo contou para os advogados que foram
chegando ao final da tarde. Só assim soube que o procurado processo estava com
um dos advogados. Ele ficou muito envergonhado por ter retirado o processo e
não ter registrado nas fichas de acompanhamento. Mas vergonha não resolve problemas
de insulto, desrespeito a diferença e desumanidade. Eu, do alto dos meus recentes
16 anos, tinha ficado mortificada. Nunca, durante
toda a minha jovem vida, havia passado por situação semelhante. Nem
mesmo as piadinhas da escola tinham me abalado tanto. Voltei no outro dia
decidida a não mais estagiar naquele lugar. Não porque eu não merecesse estar
lá, mas por que eu achava que eles não mereciam que eu estivesse lá. Lógico que
eu estava assustada e totalmente errada. Aliás, estava com muito medo e
reagindo as relações de poder.
O DESDOBRAMENTO
Cabe ressaltar que aquele
sindicalista representava naquele momento (e ainda o é hoje) todo um sistema
opressor, cruel, feroz e desumano. Quando o dia seguinte chegou, apresentei-me no
estágio para entregar as tarefas que estavam sob a minha responsabilidade e fui
falar com o meu chefe. Ele disse que não poderia me atender naquele momento.
Pediu que eu aguardasse e achei estranho, pois ele foi logo para a máquina
elétrica (estavam instalando computadores e ele, ainda aprendia a utilizar a
ferramenta de informática). Vinte minutos depois me chamou em sua sala, assinou
um documento e pediu que eu o acompanhasse. Eu tentei falar que precisava
contar algo que havia acontecido e já estava ciente da minha demissão, mas ele
não me deu oportunidade de falar. Pediu que eu o acompanhasse. Quando me vi, estava
na sala do presidente do Sindicato presenciando um dos momentos mais marcantes
da minha vida: o meu chefe estava entregando a sua carta de pedido de demissão,
alegando que não ficaria trabalhando em uma instituição na qual infelizmente
ainda prevalecia a discriminação racial.
O presidente e todos os presentes
(cerca de 20 fornecedores) ficaram tão surpresos quanto eu. No final, ninguém
foi demitido. Contudo, aprendi o valor da luta, do posicionamento firme, da atitude consciente que dignifica e liberta. Hoje,
preferia eu mesma ter tido coragem para dizer tudo o que aquele sindicalista
(fornecedor de cana) merecia ouvir. Mas, contar com a atitude do meu ex-chefe
contribuiu e muito para que eu me auto afirmasse.
A SUPERAÇÃO
Scroggie Hawson não assumiu a
posição de meu “anjo da guarda”. Sempre me deu bronca quando não atingia os
objetivos e metas, mas virou um mentor pessoal. Foi o meu maior incentivador
para que eu fizesse vestibular. Chegou a querer me emprestar o dinheiro da
matrícula na faculdade particular, antes de eu ir para a Universidade Federal
de Pernambuco. Também me incentivou a fazer o concurso público e acreditou em
mim quando até pessoas mais próximas pareciam duvidar.
Suas broncas, cobranças e
incentivos fizeram-me perceber que ser mulher,
negra, pobre e nordestina não deveria ser o meu único destino. Fui ser
também universitária, servidora pública, gerente de Recursos Humanos, membro de
comissão de licitação, Secretária de Pós-graduação, batuqueira em grupo de
percussão e professora universitária. E o que mais? O futuro dirá. Mas se tem
algo que mais me orgulho é de ser negra
– de ser a diferente em meio a multidão e de me fazer respeitar pelo caminho do
respeito à diferença e da luta."