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''Moço, eu já cansei de
lhe dizer que mais cedo ou mais tarde, isso ia acontecer. Você ainda vai bater
no meu portão, a toda hora implorando o meu perdão, mas eu não posso aceitar de
coração, porque mulher tem que ter opinião", esta estrofe é um ponto para
Pombagiras cantado em terreiros de Umbanda e aqui na Paraíba em terreiros de
Candomblé que iniciaram os cultos afro -brasileiros a partir da umbanda e da
Jurema Sagrada. Mas quem são as temidas Pombagiras para os não-adeptos, porém
amadas e admiradas por umbandistas e candomblecistas? A Pombagira é um espírito
de mulher, é antes de mais nada um espírito desencarnado que através de um/a
médium incorpora para poder através de seus conselhos e apoio espiritual ajudar
aos encarnados em diversas questões: amorosas, trabalho, saúde, etc, etc. Com
certeza, somente nos terreiros de Umbanda acharam o solo fértil para que
pudessem prestar o seu serviço solidário à diversas pessoas que sem os preconceitos
inerentes à visão espírita kardecista recorrem à mulheres que em vida tiveram
suas existências traçadas por um estilo de vida, em sua maioria, reprovável
socialmente. Muitas foram: cortesãs, prostitutas, amantes e se retrocedermos à
Grécia Antiga, foram hetairas, e em outras civilizações Prostitutas Sagradas.
Mas por que o sexo e a sensualidade estão presentes na Pombagira? Porque no
período em que encarnaram o sinônimo de liberdade e independência imposto pela
sociedade às mulheres refletia-se na moral sexual. Por isso, acredito ainda que
por mais que se queira dizer que a Pombagira sugira a figura de uma mulher
livre, temos na verdade uma mulher presa ao que se espera dentro dos padrões
sociais de outrora (e ainda hoje) do que seja liberdade, esta sempre em sentido
pejorativo para nós mulheres. Não há liberdade verdadeira para essas mulheres
que sempre correspondem às sombras de mulheres frustradas e à ânima mal
resolvida de homens que criaram a figura da prostituta e o horror e medo à
mulheres presas ao papel sexual ao qual foram empurradas pela sociedade para
depois taxá-las de "livres". Eu sou apaixonada por Pombagiras, pela
força, conselhos e experiência de vida que trazem ao incorporarem, um misto de
glamour, ironia, mágoa, feminilidade e socorro aos corações machucados que
recorrem ao seu poder e magia. A Pombagira é aquela mulher, amiga confidente
desencarnada que ajuda principalmente a outras mulheres encarnadas a acharem a
sua vitalidade, seja ela sexual ou existencial, geralmente mulheres encarnadas
feridas no seu amor próprio, na sua auto-imagem, mulheres que em determinado
momento de suas vidas deram muito poder a um homem que não as mereceram, mas
também mulheres mães que pedem por seus filhos doentes, por seu marido
desempregado, por sua família, por si mesmas. As Pombagiras são constantemente
confundidas com quiumbas, espíritos atrasados, devido ao seu estilo de vida
quando encarnadas, pela alegria inconfundível e boa vida que gostam de usufruir
por meio de seus cavalos (médiuns). Confesso que prefiro a alegria delas à
seriedade de espíritos bem comportados tidos como os ideias na filosofia
kardecista. Várias obras trataram de nossas "moças", outro nome dado
às nossas Pombagiras, irmãs na senda evolutiva, que no passado foram em sua
maioria mulheres nem sempre felizes no amor mas que viveram pelo sexo (e não
para), porque sinônimo de liberdade e de poder para outras a exemplo de
cortesãs célebres e heitairas gregas. No futuro talvez as novas Pombagiras
sejam professoras, médicas, advogadas, porque hoje a "liberdade" da
mulher foi estendida para outros ofícios. A Moça mais famosa no Brasil (e
países vizinhos como Argentina) e que comanda as legiões de Pombagiras no
astral, é sem dúvida Dona Maria Padilha. Seu nome original é espanhol Maria Del
Padilha, de origem incerta, espanhola cigana quem sabe, mas que conquistou em
idos do século XIV o coração de um príncipe, causando horror por sua ousadia,
magias, etc. É comum o nome de Pombagiras estarem aliadas à magia e ao estilo
de vida ciganos ainda que não pertençam a nenhuma etnia cigana. Por isso muitas
entidades recebem a alcunha de "Cigana" porque quando encarnadas
muito se aproximaram do estilo de vida cigano
e se dedicaram aos aspectos da paranormalidade própria da cultura
cigana. Voltando à figura de Dona Maria
Padilha, a obra 'Carmem' de Prosper Merimée, datada do século XIX e que
inspirou a ópera famosa de outro francês, George Bizet, faz referência à
célebre entidade, quando narra que a cigana Carmem orava e pedia ao espírito da
então cigana de Maria del Padilha proteção e ajuda para resolução de problemas.
Trata-se da mesma entidade. Logo, tudo indica que Maria Padilha não é lenda mas
foi antes de tudo uma realidade. Assim
como Nêmesis, deusa grega da vingança, do equilíbrio cármico e do socorro e
vingança aos corações femininos feridos
pelo abandono e escárnio de seus amantes, as Pombagiras são muito evocadas por
mulheres que precisam de um apoio emocional e espiritual, em pleno século XXI
ainda, pois infelizmente muitas mulheres ainda são tratadas como objetos,
usadas e descartadas. Por isso, iniciamos o texto com o lindo ponto acima, onde
a mulher já tendo resgatado sua auto-estima, sua força e vitalidade decide por
outro caminho. Laroiê. Pombagira, mulher como eu!
Laura Berquó