segunda-feira, 30 de junho de 2025

REPRODUZINDO SEPARADAMENTE CARTAS DAS PRESAS TORTURADAS IV CARTA 4.1




 "João Pessoa

05.05.2013

Lamentações!


A vida de Adriana

Aqui estou contando o sofrimento de uma companheira.

Tudo começou quando ela foi pedir um atendimento médico, de lá começaram a bater nela algemada e sairam arrastando ela, pelos cabelos até o pavilhão do seguro, os acusados são os agentes com o nome de Fred e Daniel.

Chegando lá algemada e eles permaneceram batendo nela pisas do por todo o corpo, e a mesma ficou problemas mental não podendo sofrer nem um tipo de agressão em seguida chega uma agente penitenciaria pedindo pra que paracem de bater nela porque ela é um ser humano.

Em seguida pegaram ela e botaram numa cela, e a diretora, chegando no local e disse que iam levar para o exame" (continua no próximo post)

REPRODUZINDO SEPARADAMENTE CARTAS DAS PRESAS TORTURADAS III CARTA 3


 "Para os direitos humanos


Eu presa passo por muitas coisas aqui dentro dessa cadeia, Quando eu fui para o castigo mim colocaram junto com "Adriana Paiva" ela estava sendo muito maltratada, ela apanhava muito eu cheguei a assinar um desacato porque aonde ela estava nem comida elas levavam, só quando elas bem queria, chegaram na cela pra dar um pente fino e não encontraram nada pegaram um balde de água jogaram na cabeça dela deram um choque e fizeram ela comer sabão e nós que estavamos com ela não podiamos fazer nada por que são muitos e nós também estavamos passando pela mesma situação eu cheguei até apanhar na cara mim deram até pontapé e levam pra delegacia por que nos presinhas não podemos falar nada, porque se nós falarmos ou pedimos qualquer coisa o o negócio delas é delegacia, castigo ou peia e mais falaram que nós não passavamos de um bocado de lixo, e de piconas, Quando ela chega bebada de madrugada, ficar chutando as presas na grade, nós somos humilhada até pela comida que não presta, e quando uma sai quase morta e o hospital é a praça nós só queremos tirar nossa cadeia e procurar os nossos direitos."

domingo, 29 de junho de 2025

PARECER IAB: PL SOBRE DOAÇÃO DE ÓRGÃOS DUPLOS POR PESSOAS PRESAS PARA FINS DE REMIÇÃO DA PENA




PREZAD@S, APRESENTO PARECER DE MINHA AUTORIA PELA COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS DO INSTITUTO DOS ADVOGADOS BRASILEIROS. APROVADO EM SESSÃO PLENÁRIA.

Indicação 2023 Projeto de Lei 2.822/2002

Cuida de proposta de doação de órgãos duplos por pessoas presas para fins de remição da pena.

Indicação proposta pela Confreira Dra Ana Arruti

EMENTA: PROJETO DE LEI 2.822/2022. AUTORIA DO SENADOR STYVENSON VALENTIM (PODEMOS/RN). DOAÇÃO DE ÓRGAOS DUPLOS DE PESSOAS PRESAS MEDIANTE REMIÇÃO DE PENA. PROPÕE ALTERAR O ART. 9º DA LEI 9.434/1997 E O ART. 126 DA LEI 7.210/1984. INDICAÇÃO ORIGINÁRIA COMISSÃO DE CRIMINOLOGIA DO IAB. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. VÍCIO DE CONSENTIMENTO. TORTURA. IMPOSSIBILIDADE EM CONFORMIDADE COM O ART.7º DO PACTO INTERNACIONAL SOBRE DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS

1. RELATÓRIO

A Comissão de Direitos Humanos do Instituto dos Advogados Brasileiros foi provocada para emissão de parecer sobre o Projeto de Lei (PL) nº 2.822/2022, conforme indicação originária da Comissão de Criminologia, tendo como confreira indicante a Dra Ana Arruti.

Cuida ainda a Indicação nº (xx) de análise legal do Projeto de Lei nº 2.822/2022 de autoria do Senador Styvenson Valentim (PODEMOS/RN), para que pessoas que estejam presas e sentenciadas possam ter remição de até 50% da pena total e cumprimento do restante em regime aberto, caso se torne com este propósito doador de órgãos duplos (rins e pulmão). A exigência imposta pelo Projeto de Lei em referência é que a pessoa presa já tenha cumprido pelo menos 20% da pena.

Ainda informa a referida indicação que o PL 2.822/2022 está apensado a outras propostas, citando, por exemplo o Projeto nº 1.321/2003, que no mesmo viés, propõe que “ o presidiário que se inscreva como doador vivo de órgãos , partes do corpo humano e tecidos para fins terapêuticos requerer redução de pena após a aprovação do procedimento cirúrgico”.

A justificativa do Senador Styvenson Valentim, sobre a necessidade do PL 2.822/2022, deve-se ao debate transnacional do tema e que encontraria arrimo nos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da solidariedade.

O referido PL viria a modificar o artigo 9º da Lei nº 9.434, de 04 de fevereiro de 1997 e a Lei de Execuções Penais.

É o Relatório, passo a opinar.

2. FUNDAMENTAÇÃO

Com fincas nos artigo 3º, II do Estatuto do Instituto dos Advogados Brasileiros, artigo 69 do Regimento Interno da Casa de Montezuma, bem como da Resolução 03/2018, passa a discorrer sobre a fundamentação jurídica que embasará a conclusão do presente parecer.

A legislação brasileira trata da possibilidade de doação de órgãos duplos no artigo 9º, da Lei nº 9.434, de 04 de fevereiro de 1997, não havendo nenhum impedimento que pessoas presas possam doar dentro das condições estabelecidas, bem como a presa grávida poderá doar voluntariamente sangue placentário e do cordão umbilical até o momento do parto, conforme o art. 9º- A da referida lei. Em momento algum, exclui a pessoa presa de atender espontaneamente ao princípio da dignidade da pessoa humana e do princípio constitucional da solidariedade.

Ocorre, que em caso de doação, não poderá estar na expectativa de remição de pena pelas razões que serão expostas mais adiante, por entender-se que tal prática possa configurar torturacontra a pessoa apenada e essa autorização de doação de órgãos ser viciada por razões estranhasao senso de solidariedade.

Em caso de aprovação do referido PL 2.822/2022 e caso não sofra nenhuma modificação em nenhuma das Casas legislativas, em conformidade com a redação original, o art. 9º da Lei 9.434/1997 passará a ter seguinte redação:

“Art. 9º ......................................................................................

...................................................................................................

§ 9º É facultado ao condenado, de forma livre e voluntária, devidamente acompanhado por advogado, na presença do Juiz da execução penal e após ouvido o Ministério Público, doar órgão duplo nos termos da lei, em caráter humanitário, para fins de remição na forma da Lei nº 7.210 de 11 de julho de 1984.”

Igualmente os artigos 13, parágrafo único e 14 do Código Civil Brasileiro trazem a possibilidade de doação de órgãos e disposição do próprio corpo por qualquer pessoa, inclusive sem exclusão das pessoas presas, frisando que essa doação é sempre com o caráter gratuito, amparada no princípio da dignidade da pessoa humana e no princípio da solidariedade, justamente para evitar possíveis comercializações ou “trocas” entre doador e donatário/receptor.

A doação de um órgão duplo causa um quadro irreversível, razão pela qual, ninguém deve ser compelido a fazê-lo, não podendo ser assim constrangido, conforme inteligência do artigo 15 do Código Civil Brasileiro e tratando a legislação específica, assim como a lei substantiva civil da gratuidade do ato, sem nenhum tipo de favorecimento ou benesses.

O Projeto de Lei nº 2.822/2002 ignora que além de não haver impedimentos para que pessoas presas possam doar órgãos e disporem do próprio corpo, tal decisão é sempre motivada pelo sentimento de solidariedade, cujo princípio da solidariedade é abarcado pelo Estatuto Básico, art. 3º, I. Também despreza o referido projeto que a “barganha” com a pessoa presa para que a partir de um ato que deve ser voluntário e gratuito, possa se livrar do constrangimento do cárcere e das mazelas do sistema prisional brasileiro fere justamente o princípio constitucional da pessoa humana, que é fundamento da República Federativa do Brasil.

Tal projeto de lei segue a corrente de que presos são pessoas improdutivas, sem dignidade, reincidentes poder de escolha e que devem compensar a sociedade pelos males causados, nem que seja com disposição dócil de seus corpos, justificando um verdadeiro e aberrante extrativismo humano. Tal proposta caracteriza a ideia estigmatizada pela Teoria do Conflito, em especial a Teoria do Labelling Approach, e tal projeto seria uma “redenção” à pessoa presa que já traz um estigma do qual se deve buscar a remissão da sociedade (no sentido de perdão).

A remição proposta pelo Projeto de Lei nº 2.822/2022 alteraria da seguinte forma a Lei nº 7.210, de 11 de Julho de 1984, a célebre Lei de Execuções Penais, veja-se:

“Art. 126. O condenado que cumpre a pena em regime fechado

ou semiaberto poderá remir, por trabalho, por estudo ou por doação de órgão duplo, parte do tempo de execução da pena.

...................................................................................................

§ 9º No caso da doação de órgão duplo, o condenado deverá

ter cumprido 20% (vinte por cento) da pena para poder fazer uso da remição.

§ 10. Uma vez realizados todos os procedimentos necessários para fins da doação, ela será custeada pelo Estado e realizada nos termos da Lei.

§ 11. O condenado que realizar a doação fará jus a uma redução de 50% (cinquenta por cento) da pena total imposta, devendo cumprir o restante da pena em regime aberto, com as condições a serem definidas pelo Juízo da execução

§12. A remição de pena por doação de órgão duplo não se aplica na hipótese de reincidência em crime hediondo.”

Como verificado in albis, o referido projeto reforça a Teoria do Conflito com a exclusão da possibilidade de remição em caso de doação de órgãos duplos por pessoas reincidentes em crimes hediondos, fazendo assim acepção de doadores, e se contrapondo à própria justificativa do projeto que é atender aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana (por parte

do donatário/receptor) e da solidariedade (por parte do doador pessoa presa). Permanece assim aprática do etiquetamento social e não ressocialização de pessoas presas.

No que tange à prática de tortura em viciar o consentimento de pessoas presas para fins de doação de órgãos, tanto o art. 5º da Declaração Universal dos Direitos Humanos, bem como art.1º da Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes (ratificado pelo Decreto Legislativo nº 04, de 23 de maio de 1989 e promulgado pelo Decreto nº 40, de 15 de fevereiro de 1991) não apresentam rol taxativo das práticas consideradas como tortura.

“Art. 5º “Ninguém será submetido à tortura nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes”

“Art. 1º. Para os fins da presente Convenção, o termo "tortura" designa qualquer ato pelo qual dores ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais, são infligidos intencionalmente a uma pessoa a fim de obter, dela ou de uma terceira pessoa, informações ou confissões; de castigá-la por ato que ela ou uma terceira pessoa tenha cometido ou seja suspeita de ter cometido; de intimidar ou coagir esta pessoa ou outras pessoas; ou por qualquer motivo baseado em discriminação de qualquer natureza; quando tais dores ou sofrimentos são infligidos por um funcionário público ou outra pessoa no exercício de funções públicas, ou por sua instigação, ou com o seu consentimento ou aquiescência. Não se considerará como tortura as dores ou sofrimentos que sejam conseqüência unicamente de sanções legítimas, ou que sejam inerentes a tais sanções ou delas decorram.”

Ademais, o art. 2º da Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes clarifica que o rol descrito no artigo primeiro se apresenta em “numerus apertus’.

Art.2º. O presente Artigo não será interpretado de maneira a restringirqualquer instrumento internacional ou legislação nacional que contenha ou possa conter dispositivos de alcance mais amplo.

Seguindo o raciocínio que a prática proposta pelo Projeto de Lei nº 2.822/2002 configura tortura em tese, cita-se justamente o disposto no artigo 7º do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos foi adotado pela XXI Sessão da Assembleia -Geral das Nações Unidas, em 16 de dezembro de 1966 (ratificado pelo Decreto Legislativo nº 226, de 12 de dezembro de 1991 e promulgado pelo Decreto nº 592, de 06 de julho de 1992), que corrobora com a tese em questão:

“Ninguém poderá ser submetido à tortura, nem a penas ou tratamento cruéis, desumanos ou degradantes. Será proibido, sobretudo, submeter uma pessoa, sem seu livre consentimento, a experiências médicas ou científicas.” (Grifo nosso)

Ora, qualquer pessoa privada de liberdade não tem como consentir livremente sobre qualquer proposta que venha a acenar com a possibilidade de liberdade. Outrossim, não há como não dizer que essas pessoas presas não serão submetidas a “experiências médicas ou científicas”, uma vez que o risco de rejeição de órgãos pelo receptor, ainda que do mesmo tipo sanguíneo é de alta probabilidade, não prevendo inclusive a possibilidade de remição ainda que haja incompatibilidade pelo pretenso donatário/receptor.

Pelo Princípio da Indivisibilidade dos Direitos Humanos não se pode separar a proteção dos direitos da personalidade dos demais direitos proclamados por Tratados, Declarações ou ainda pelo costume internacional aplicados em matéria de Direitos Humanos. Outrossim, é necessário entender o conceito de vício de consentimento, razão pela qual cita-se oportunamente San Tiago Dantas.

O Projeto de Lei nº 2.822/2022 também entra na seara do Direito Civil, uma vez que a doação de órgãos duplos, ou tecidos, ou sangue, etc, tem a natureza jurídica de de negócio jurídico bilateral unilateral gratuito, isto é, um tipo inominado que se assemelha ao contrato de doação. Por tais razões, não há como concordar com doação de órgãos duplos mediante qualquer tipo de “barganha” como a proposta pelo referido projeto de lei, porque qualquer negócio jurídico bilateral unilateral gratuito importa em liberalidade daquele que faz, sem a espera de contraprestação. Cita-se por exemplo o Contrato de Barriga Solidária que é negócio jurídico bilateral unilateral gratuito e atípico, em que não é devida nenhuma contraprestação ao que gera em seu ventre o bebê. O mesmo entendimento aplica-se aos casos de doação de órgãos, sangue, etc, podendo se falar nesse caso em atendimento ao princípio constitucional da solidariedade.

Por se tratar a doação de órgãos de pessoas vivas de negócio jurídico bilateral unilateral gratuito, o consentimento não pode ser viciado sob pena de invalidade do próprio negócio jurídico. Não pode haver máculas à declaração de vontade. Conforme ensinamentos do civilista San Tiago Dantas ia vontade é a substância do ato jurídico, senão vejamos:

“Muito comumente os atos jurídicos apresentam defeitos que os tornam anuláveis, os quais têm a sua sede na declaração de vontade. A vontade é a substância do ato jurídico. De modo que, se a sua manifestação não corresponde ao que o agente verdadeiramente quer, ou, se o querer do agente estava travado, em consequência de uma causa qualquer capaz de tolher o seu arbítrio, o ato se apresenta viciado e a conseqüência é que a parte por ele prejudicada, ou a própria parte, cuja vontade não estava sã, pode promover a sua anulação pelos meios estabelecidos na lei.” (grifo nosso)

Ora, em casos irreversíveis como a doação de um dos órgãos públicos, corre o risco do Estado sofrer demandas judiciais com fins indenizatórios, haja vista que a doação de órgão não pode ser desfeita. Segundo ainda San Tiago Dantas sobre vício de consentimento:

A conseqüência, então, destes vícios e defeitos que o ato jurídico pode apresentar quanto à vontade é torná-lo anulável. Nem sempre a repristinação é possível, ou porque foram praticados atos que, em si próprios, não podem ser modificados nos seus efeitos, principalmente, ou porque as coisas que se desligaram de umpatrimônio para outro, já não podem ser mais repostas no seu estado antigo e, assim, em vez de uma repristinação, tem lugar uma indenização; compõe-se pecuniariamente o prejuízo que houve. (grifo nosso)

Ainda, analisando San Tiago Dantas sobre os vícios do consentimento ou da vontade, o caso de doação de um dos órgãos duplos por pessoas privadas de liberdade e já sentenciadas, aplicando-se os ensinamentos do grande civilista ao entendimento aqui apresentado, a vontade estaria “perturbada”, manifestada sob condições de medo, haja vista a condição de vulnerabilidade da pessoa presa que emite manifestação de vontade, podendo caracterizar coação, já que sua autodeterminação encontra-se bastante reduzida.

“Classificam-se os defeitos jurídicos da vontade em dois grandes grupos. No primeiro grupo se colocam os casos em que há discordância entre a vontade e a declaração de vontade; em que se não apresenta defeito algum, na vontade, delineou-se esta claramente na consciência do agente, mas, no momento de exprimir a vontade. O agente, por erro, ou propositadamente, exprimiu coisa diversa daquela que estava no seu ânimo. Este é o primeiro grupo de defeitos que consistem na discordância entre a vontade e a declaração. O segundo grupo que se chama o grupo dos vícios, reúne os casos em que a própria vontade está perturbada, de tal maneira que, ou positivamente o agente não quis aquilo que manifestou ou, então, foi levado a definir a sua vontade num sentido diverso daquele para o qual se orientaria, se não interferissem as causas do vício .

(...)

Veja-se agora os vícios da vontade. O primeiro a considerar-se é a coação que é a deliberação debaixo do medo. Estando submetida a uma ameaça ou a uma violência atual, a pessoa decide-se a enunciar uma vontade que, na verdade, não corresponde ao seu querer. E a coação.

Tem-se aí a vontade mesma viciada; não é a declaração, pois não há a menor discordância entre a vontade e a declaração; a pessoa declara realmente aquilo que resolveu declarar, mas apenas resolveu em conseqüência de uma ameaça que foi mais forte que a sua própria liberdade.”

Micheletti e Lamy ao mencionarem os princípios das Regras de Mandela informam que há uma prejuízo do direito à autodeterminação de pessoas presas, justamente por sua condição de pessoa privada de liberdade, fundamentando a tese de que isso implica no livre consentimento da pessoa presa para quaisquer atos que possam estar relacionados à possibilidades invasivas de remição da pena, como o proposto pelo Projeto de Lei nº 2.822/2022

“Dentre seus princípios, tem-se que “todos os presos devem ser tratados com respeito, devido a seu valor e dignidade inerentes ao ser humano. Nenhum preso deverá ser submetido à tortura ou tratamentos ou sanções cruéis, desumanos ou degradantes e deverá ser protegido de tais atos, não sendo estes justificáveis em qualquer circunstância”. Ademais, explicita-se que o encarceramento e outras medidas que excluam uma pessoa do convívio com o mundo externo são aflitivas pelo próprio fato de ser retirado destas pessoas o direito à autodeterminação ao serem privadas de sua liberdade.”ii (grifo nosso)

A interpretação sistemática utilizando-se Direito Civil, Direitos Humanos e Direito Constitucional não é despicienda, uma vez que também na análise da aplicação de normas que visem coibir violação de Direitos Humanos, aplica-se a norma mais favorável à pessoa humana, conforme citação da Magistrada Flávia Piovesan sobre entendimento do Ministro Celso de Mello:

“Os magistrados e Tribunais, no exercício de sua atividade interpretativa, especialmente no âmbito dos tratados internacionais de direitos humanos, devem observar um princípio hermenêutico

básico (tal como aquele proclamado no art. 29 da Convenção Americana de Direitos Humanos), consistente em atribuir primazia à norma que se revele mais favorável à pessoa humana, em ordem a dispensar-lhe a mais ampla proteção jurídica. O Poder Judiciário, nesse processo hermenêutico que prestigia o critério da norma mais favorável (que tanto pode ser aquela prevista no tratado internacional como a que se acha positivada no próprio direito interno do Estado), deverá extrair a máxima eficácia das declarações internacionais e das proclamações constitucionais de direitos, como forma de viabilizar o acesso dos indivíduos e dos grupos sociais, notadamente os mais vulneráveis, a sistemas institucionalizados de proteção aos direitos fundamentais da pessoa humana (...).”

O Pacto dos Direitos Civis e Políticos trouxe justamente como novidade, segundo Konder Comparato, a equiparação à tortura de experimentações médico-científicas sem o consentimento da pessoa ou ainda sem as devidas informações dos riscos e consequências.

“A grande novidade da proibição constante do artigo 7º do Pacto consiste em assimilar à tortura , ou aos tratamentos penais cruéis, desumanos e degradantes, a submissão de alguém , sem o seu consentimento, a experimentações médico-científicas. É claro que essa disposição refere-se, antes de mais nada, às práticas atrozes perpetradas pelos Estados totalitários, notadamente o Estado nazista, em seus campos de concentração. Mas ele abrange também pesquisas médicas e cientificas de alto poder ofensivo, levadas a efeito em alguns Estados Democráticos, sem que pacientes ou a população soubessem do que se tratava”iii. P. 305

Apesar do entendimento sobre “consentimento” não especificar os vícios da manifestação de vontade, não há que se falar em derrogação do dispositivo previsto no Pacto dos Direitos Civis e Políticos. No caso em questão, não há possibilidade de derrogar o previsto no artigo 7º do Pacto dos Direitos Civis e Políticos, em favor do Projeto de Lei 2.822/2022 ,mesmo em nome da aplicação de uma norma supostamente mais favorável, conforme possa fazer crer o referido projeto, haja vista evocar as expressões remição, solidariedade e dignidade da pessoa humana, haja vista que segue-se o entendimento da assaz citada Flávia Piovesan, uma vez que não é autorizada derrogação, ainda que temporária da proibição de tortura.

“Apenas, excepcionalmente, o Pacto dos Direitos Civis e Políticos admite a derrogação temporária dos direitos que enuncia. À luz de seu art. 4º, a derrogação temporária dos direitos fica condicionada aos estritos limites impostos pela decretação de estado de emergência, ficando proibida qualquer medida discriminatória fundada em raça, cor, sexo, língua, religião ou origem social. Ao mesmo tempo, o Pacto estabelece direitos inderrogáveis, como o direito à vida, a proibição da tortura e de qualquer forma de tratamento cruel, desumano ou degradante, a proibição da escravidão e da servidão, o direito de não ser preso por inadimplemento contratual, o direito de ser reconhecido como pessoa, o direito à liberdade de pensamento, consciência e religião, dentre outros. Isto é, nada pode justificar a suspensão de tais direitos, seja ameaça ou estado de guerra, perigo público, instabilidade política interna ou qualquer outra emergência pública. O Pacto dos Direitos Civis e Políticos permite ainda limitações em relação a determinados direitos, quando necessárias à segurança nacional ou à ordem pública (ex.: arts. 21 e 22)”

Considerando ainda o perfil da população carcerária atualmente no Brasil, pode-se ainda dizer que o referido Projeto de Lei nº 2.822/2022 irá recair sobretudo sobre a população negra do país (pretos e pardos), que em virtude do racismo estrutural e institucional também se vê alijada de uma boa qualidade na prestação de serviços de saúde, em que não se consideram especificidade de saúde da população negra, não tratando o referido processo inclusive da assistência médica que deve ser dada aos doadores em virtude do quadro irreversível que se forma com a doação de um órgão duplo (no caso, pulmão ou rim). Também pode-se dizer que é um Projeto de lei racista, classista e aporofóbico, haja vista que a maior parte da população carcerária no Brasil tem o perfil a seguir:

“As prisões no Brasil: espaços cada vez mais dedicados à população negra do país

Os dados sobre encarceramentos relativos à raça/cor disponibilizados pelo 14º Anuário Brasileiro indicam alta concentração entre a população negra. Em 2019, os negros representaram 66,7% da população carcerária, enquanto a população não negra (considerados brancos, amarelos e indígenas, segundo a classificação adotada pelo IBGE) representou 33,3%. Isso significa que, para cada não negro preso no Brasil em 2019, dois negros foram presos. E um pouco mais que o dobro, quando comparado aos brancos.

Ainda que o maior encarceramento de pessoas negras não seja propriamente uma novidade, ao se analisar a série histórica do dado raça/cor dos presos no Brasil, fica explicito que, a cada ano, esse grupo representa uma fração maior do total de pessoas presas. Se, em 2005, os negros representavam 58,4% do total de presos, enquanto os brancos eram 39,8%, em 2019, essa proporção chegou a 66,7% de negros e 32,3% de brancos. A taxa de variação nesse período mostra o crescimento de 377,7% na população carcerária identificada pela raça/cor negra, valor bem superior à variação para os presos brancos, que foi de 239,5%. Ou seja, as prisões no país se reafirmam, ano a ano, como um lugar para negros. No Brasil, se prende cada vez mais; no entanto, sobretudo, cada vez mais pessoas negras. Existe, dessa forma, forte desigualdade racial no sistema prisional, materializada não somente nos números e dados apresentados, como pode também ser percebida concretamente na maior severidade de tratamento e sanções punitivas direcionadas aos negros. Aliadas a isso, as chances diferenciais e restritas aos negros na sociedade, associadas às condições de pobreza que enfrentam no cotidiano, fazem com que se tornem os alvos preferenciais das políticas de extermínio e encarceramento do país.”iv

Infere-se que o Projeto de Lei nº 2.822/2022 deve ser rejeitado por configurar a possibilidade de prática de tortura, violação do princípio da dignidade da pessoa humana e ir contra a possibilidade de autodeterminação, viciando o consentimento da pessoa presa. Outrossim, tal proposta esbarra inclusive nos direitos da personalidade previstos no art. 15 do Código Civil Brasileiro.

Nesse mesmo diapasão deve ser rejeitada a referida proposta legislativa por ferir tratados internacionais de Direitos Humanos do qual o Brasil é signatário e ratificado pelo Congresso Nacional, a saber: Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes de 1984 e Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos 1966.

3. CONCLUSÃO

Ex Positis, infere-se que o Projeto de Lei nº 2.822/2022 deve ser rejeitado por configurar a possibilidade de prática de tortura, experimento científico, violação do princípio da dignidade da pessoa humana, atenta contra a possibilidade de autodeterminação e direitos da personalidade, viciando o consentimento da pessoa presa.

Por outro lado, não há nenhuma proibição legal que impeça da pessoa presa dispor e doar órgãos duplos, desde que seja por mera liberalidade, dentro do princípio constitucional e familiar da solidariedade, desde que as razões sejam estranhas ao Projeto de Lei nº 2.822/2022.

Requer, portanto, a rejeição da proposta e que cópia do parecer seja remetido ao Relator do Projeto de Lei nº 2.822/2002, Senador Otto Alencar (PSD-BA) e para a Comissão de Assuntos Sociais do Senado Federal.

É o parecer, salvo melhor juízo.

João Pessoa, 26 de junho de 2023

Laura Taddei Alves Pereira Pinto Berquó Membro Efetivo – OAB/PB 11.151

i DANTAS, San Tiago. Programa de direito civil. Vol. 1, 1979.

ii MICHELETTI FELÍCIO, Érick Vanderlei e LAMY, Marcelo. O direito à saúde no ambiente prisional brasileiro: reflexões sobre o Dever Ser e o Ser. ABRACRIM, 2022.

iii COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 12 d. Saraiva: São Paulo, 2019.

iv VARGAS, Tatiane. https://informe.ensp.fiocruz.br/noticias/50418 Acessado em 26.06.2023


REPRODUZINDO SEPARADAMENTE CARTAS DAS PRESAS TORTURADAS II CARTA 2/2






(Continuação)
 "piconas, mancosas, comedias, quem manda nessa porra sou eu, aqui é oque eu quero, presas aqui não tem vez, agora voltando a historia de adriana que na verdade não é uma história, mais sim um final muito triste, pois de tanto sofrer, já chegaram até fazer ela comer sabão, é quebraram uma garrafa de gelo na cabeça dela, muitas vezes ela chegava a durmi algemada, e toda quebrada de paú por mais que nós erramos um dia, isso não é justiça, tirar a vida de alguém assim, estamos revoltadas com tamanha crueldade aí isso é vida de um ser humano ou de um (bixo) o que vocês dos direitos humanos diz a respeito disso? pois a direção nos trata como bixo, quando a nosso família está aqui, ela se faz de anjo, quando a familia vai embora ela, mostra o diabo que é, fria e tratando todas mal sem respeito com ninguém isso é um absurdo queremos ver a lei dos direitos humanos agora neste momento de sofrimento com a pessoa de alguém tão especial, todas nós estamos de coração partido, esperamos justiça. redecarmas (sic) nossos direitos de apenadas."

PERSEGUIÇÃO DA PGE-PB A MANDO DO GOVERNO (2013) PARA ME INTIMIDAR SOBRE AS TORTURAS

 PREZAD@S, O PROCESSO QUE TRAMITOU NO TRIBUNAL DE ÉTICA E DISCIPLINA DA OAB/PB (2013-2015) SOB A ACUSAÇÃO DE QUE EU TERIA FALSIFICADO AS CARTAS DAS PRESAS TORTURADAS NO PRESÍDIO MARIA JULIA MARANHÃO (BOM PASTOR) FOI JULGADO IMPROCEDENTE EM 2015. O ÔNUS DA PROVA CABIA AO ACUSADOR, NO CASO AO CORREGEDOR GERAL DA PGE E EX-PRESIDENTE DA SINDICÂNCIA QUE (NÃO) APUROU AS TORTURAS COMETIDAS CONTRA PRESAS E O "SUICIDAMENTO" DE ADRIANA DE PAIVA RODRIGUES, SR. SEBASTIÃO LUCENA. COMO EU NÃO FALSIFIQUEI NADA, MAS SOU SIM, TESTEMUNHA DOS RELATOS E VI PRESAS TORTURADAS, MORRO DIZENDO OS MESMOS FATOS. PRIMEIRA INVESTIDA NA TENTATIVA DE ME INTIMIDAR. SÓ NÃO PROCESSEI O ESTADO, PORQUE EU GOSTO DE GANHAR MEU DINHEIRO TRABALHANDO E HONESTAMENTE. AGORA, SE EU NÃO FALSIFIQUEI AS CARTAS, HÁ OU NÃO TORTURA A PARTIR DOS RELATOS DAS PRESAS? COM A PALAVRA O GOVERNO DO ESTADO DA PARAÍBA! A PGE! A OAB/PB  QUE NUNCA FEZ UM DESAGRAVO! AO MPPB! AO TJPB! FUI REPRESENTADA NA OAB/PB, PORQUE OCUPAVA O ASSENTO DE CONSELHEIRA ESTADUAL DE DH REPRESENTANDO IRONICAMENTE A CASA DOS DIREITOS HUMANOS (OAB). FOI COM ESSE PROCESSO QUE TEVE INÍCIO O ASSÉDIO PROCESSUAL NO GOVERNO RC E BLOGS SUSTENTADOS COM DINHEIRO PÚBLICO PARA ME DIFAMAR. O PORQUÊ? PRIMEIRO: A ESQUERDA TEM UM GRAVE PROBLEMA QUE É NÃO ADMITIR AS PRÓPRIAS FALHAS QUANDO ACONTECEM E VER QUEM CRITICA COMO INIMIGO. SEGUNDO: PORQUE DESDE 2008 EU TENHO QUE LIDAR COM OUTROS TIPOS DE VIOLÊNCIA PELO FATO DE COMO MULHER TER ME RELACIONADO BREVEMENTE EM 2007 COM QUEM MANDOU TERCEIROS ME PERSEGUIR. É NORMAL UMA MULHER AGUENTAR A ESTRUTURA DO ESTADO SOBRE ELA PARA FINS DE PERSEGUIÇÃO E RESUMIR MEU TRABALHO, UM TRABALHO SÉRIO COMO ESSE, DE DENÚNCIA DE TORTURAS COMO "PROBLEMA DE "CAMA MAL RESOLVIDA" COMO FEMINISTAS FALAM AQUI (E UM PROMOTOR QUE PEDIU PRA ARQUIVAR UM HOMICÍDIO COMETIDO POR UM GRANDÃO TAMBÉM?). E SRAS FEMINISTAS, SE EU NÃO TRANSEI COM O DEDO OU COM UM VIBRADOR, POR QUE O PROBLEMA É DA MINHA PARTE E NÃO DO HOMEM QUE PERSEGUIU A MIM E A MUITAS OUTRAS? VOCÊS NÃO VÊEM TORTURA EM PRESÍDIOS? NÃO PENSEM QUE O PATRIARCADO DE SAIAS A QUE MUITAS ASPIRAM DARÃO ESPAÇOS A VOCÊS. ENQUANTO ISSO, VAMOS CONTINUAR FALANDO DE TORTURA SIM!

LAURA BERQUÓ






REPRODUZINDO SEPARADAMENTE CARTAS DAS PRESAS TORTURADAS II CARTA 2/1


 "Para os Direitos Humanos


Aqui falamos sobre o sofrimento de uma presa (Adriana Paiva Rodrigues da Silva) conhecida como Bisqui, aonde vimos todo seu sofrimento de perto ao ser espancada diariamente pelo Sistema penitenciario Maria Júlia Maranhão, todas as vezes que tentava se comunicar através da asistente social com a familia era empedida por eles chegando ao ponto de ser espancada é não era só uma vez, era todas as vezes, estando aqui pelo fato de artigo 155, chegando a passar seu tempo de ir embora tendo como visita só o seu pai.

Já chegaram ao ponto de jogar ela para morar no seguro para não vermos o que o sistema penitenciario fazia com ela, Batiam nela, pizotiavam a cara dela, espancavam ela com cacetete, jogavam sprei de pimenta no rosto dela sufocavam ela com apertos no pescoço chegando ao ponto dela, desmaia, é muitas vezes deixavam ela sem o alimento tratada como um animal, isso não pode acontecer, porque somos presas da justiça e conhecemos nossos direitos. A Diretora Chintia Almeida quando ela entra no corredor, que tentamos falar com ela, ela nos trata como presas, " (continua)


Essa foi a parte 1 da Segunda Carta

PL N° 778/2025: PROSTITUIÇÃO E HIGIENISMO SOCIAL EM PLENO SÉCULO XXI

 


No dia 02 de junho se comemora o Dia Internacional da Prostituta. Aproveito o ensejo da data para comentar o Projeto de Lei n ° 778/2025 do Deputado Federal Kim Kataguri (UNIÃO BRASIL/SP), que pretende tornar o 'trottoir' contravenção penal. Assim dispõe o referido projeto:

"Altera o Decreto-Lei n° 3.688, de 3 de outubro de 1941 (Lei das Contravenções Penais), para prever a contravenção penal de prostituição em via pública.

O CONGRESSO NACIONAL decreta:

Art. 1º O Decreto-Lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941, passa a vigorar com a seguinte alteração:

“Art. 47. ......................................................

Pena – prisão simples, de 15 (quinze) dias a 3 (três) meses, ou

multa, de 50 a 100 dias-multa.

Prostituição em via pública

Parágrafo único. Incide na mesma pena do caput deste artigo o agente que se prostituir em via pública.” (NR)

Art. 3° Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação."

Embora se trate de um tipo mais leve de infração penal, a contravenção penal não deixa de caracterizar um ilícito penal. Muito interessante essa preocupação com as vias e moralidade públicas. Estamos retomando o higienismo social, com uma proposta moralizante e puritana como se estivéssemos em pleno início do século XX. O cronista João do Rio, em sua obra "A Alma Encantadora das Ruas", publicada em 1908, traz um capítulo em que o autor pontua "onde acaba a rua", conduzindo obviamente para o sistema carcerário carioca daquele tempo. O perfil prisional feminino desde então não apresentou mudanças, onde a maioria das mulheres presas era e continua composta por mulheres negras (pretas e pardas), com raras exceções na época (1908) de brancas, havendo também uma homogeneidade nas práticas ilícitas apontadas contra as mulheres. Se hoje temos um perfil de mais de 63 % da população carcerária feminina processada pela Lei de Drogas, naquele Rio do início do século XX a mendicância, a prostituição e todas as exposições causadas pela exclusão social da mulher negra e pobre as conduziam ao cárcere, dentro da mesma mentalidade de higienismo social que denunciamos aqui. Um clássico do anarcofeminismo brasileiro de 1924, intitulado ‘Virgindade Anti-higiênica. Preconceitos e Convenções Hipócritas de Ercília Nogueira Cobra, considerada pornográfica pela moralidade "higienista" é uma crítica ainda atual à condição econômica da mulher e sua exclusão social e sexual, pela falta de acesso à capacitação profissional que levava e leva à prostituição. No caso das mulheres trans e travestis não há diferenças. Na obra ‘Transfeminismo’ da Profa. Dra Letícia Carolina Nascimento (UFPI) é trazido o seguinte dado: "estima-se que 72% da população trans* não possua ensino médio". Letícia Nascimento ainda observa que travestis e transexuais são expulsas de casa em torno dos 13 anos de idade. E sobre a prostituição de mulheres trans e travestis diz: "A grande questão é que, para muitas, essa é a única opção de trabalho, já que os empregos formais excluem travestis e transexuais não apenas por conta da transfobia estrutural, mas também pelo fato de elas não terem componentes mínimos exigidos em muitos empregos, tais como ensino médio completo". Como tenho uma visão amoral da prostituição, não podemos esquecer que a prática da prostituição em si nem sempre traz como determinante a exclusão social de mulheres cis e trans, mas também a liberdade da mulher em fazer o uso que bem entender do seu capital erótico, termo cunhado pela socióloga inglesa Catherine Hakim, questionando sobretudo em sua obra Capital Erótico o comportamento puritano de feministas anglo-saxônicas que são contra a prostituição e do ‘capital erótico’ feminino em geral. Ainda segundo a justificativa do Projeto de Lei n° 778/2025 do Deputado Federal Kim Kataguri, o que se tentará proibir é que profissionais do sexo façam ‘ponto’ em frente às casas de famílias, porque o fato das profissionais fazerem seu 'trottoir' nesses locais, segundo Kataguri, estaria impedindo o direito de ir e vir das referidas famílias. Pelo que concluímos, o problema para muitos seria topar com a figura da prostituta, impedindo o direito de locomoção da tradicional família brasileira... Ocorre que a prostituição em si, as chamadas profissionais do sexo possuem o CBO 5198-05. Elas também possuem o direito fundamental de ir e vir, o direito fundamental à liberdade de locomoção e de exercerem o seu ofício, de trafegarem e ocuparem as vias. Outro ponto do referido PL n° 778/2025 é que as profissionais do sexo seriam vetores (termo que uso a partir da ideia higienista e sanitarista bem ao espirito do projeto de lei em questão) para crimes de terceiros. Até onde se sabe, a pena é individualizada no Brasil. O princípio constitucional da intranscedência da pena não autoriza que terceiros paguem por crimes que não cometeram. Não há como a profissional do sexo ser responsabilizada pelo crime de proxenetas e cafetinas. Caso a profissional do sexo cometa algum crime, ela será responsabilizada por essa conduta em específico. Desnecessário esse projeto com viés puritano e higienista de tornar o 'trottoir' contravenção penal em pleno século XXI.

Laura Berquó

Advogada e Professora Adjunta (UFPB). Mestre em Ciências Jurídicas pela UFPB. Ex-Conselheira Estadual de Direitos Humanos (Paraíba). Membro efetivo dos Institutos dos Advogados Brasileiros – IAB

Fontes:

BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 778, de 07 de março de 2025.

COBRA, Ercília Nogueira. Virgindade anti-higiênica: Preconceitos e convenções hipócritas. E-book (Kindle)

HAKIM, Catherine. Capital erótico. Pessoas atraentes são mais bem sucedidas. A ciência garante. Tradução Joana Faro. Rio de Janeiro: Best Business, 2012.

NASCIMENTO, Letícia Carolina. Transfeminismo. São Paulo: Jandaíra, 2021.

RIO, João do. A Alma Encantadora das Ruas. São Paulo: Martin Claret, 2007