sexta-feira, 12 de dezembro de 2025

O PRINCÍPIO DA DESMERCANTILIZAÇÃO, A BUSCA DO PLENO EMPREGO E O QUARTO SETOR





Tendo se tornado as políticas sociais de redistribuição de renda para a população carente brasileira uma política de Estado (art. 6°, parágrafo único da CF/88) como fica a análise do Princípio da Busca do Pleno Emprego mediante a adoção do Princípio da Desmercantilização das referidas políticas com recorte social somado ao crescimento do Quarto Setor? O conceito de políticas públicas desmercantilizadoras segue o entendimento criado por Gosta Esping-Andersen:

 “Seguindo a linha de Marx e Polany, Esping-Andersen (1990) inovou ao formular uma concepção mais ampla e "generosa" de se analisar as políticas sociais, isto é, concebê-las e estudá-las à luz das possibilidades de desmercantilização das relações sociais. Em outros termos, isso implica analisar as políticas sociais tendo como referência o grau de autonomia e independência que essas políticas conseguem garantir aos indivíduos e (ou) famílias de sobreviverem para além das relações do mercado. Conforme esse autor, uma definição mínima da concepção de desmercantilização deve incorporar a possibilidade de cada cidadão em decidir e (ou) optar livremente por não trabalhar quando assim considerar ou julgar necessário, podendo e tendo como sobreviver dignamente para além da participação no mercado." (Esping-Andersen, 1990, p.23). 

O Princípio da Desmercantilização já é adotado em políticas sociais, como o Bolsa Família, em que pese a exigência de contrapartida, como matrícula de filhos em idade escolar e assiduidade escolar, bem como vacinação das mesmas, ressaltando que tais contrapartidas não são de cunho "mercantilizadoras". Mesmo assim, a educação é sempre direcionada para o futuro mercado de trabalho, ou ainda, "favor do Estado" para os mais pobres, que acabam por atender ao mercado somente em um ponto: a necessidade de pessoas que não possuem uma boa formação para aceitarem os trabalhos mais mal pagos e mais humildes na escala social. A educação obrigatória ocuparia o horário das crianças em risco social, sobretudo daquelas que estudam em escolas públicas que aderiram ao ensino integral ou aos programas de segundo tempo como era o Mais Educação.

O Bolsa Família fortalece o/a cidadão/ã que poderá impor um preço mais digno pelo seu trabalho e não se submeter à exploração daqueles que usufruem da sua mão-de-obra, sobretudo nas relações de trabalhos domésticos e rurais, subvertendo a lógica do pleno emprego desenvolvido pelos economistas clássicos de que a procura pelo serviço para ganhar a vida, faria com que a economia operasse sempre em pleno emprego, uma vez que os salários seriam ditados pelos proprietários dos meios de produção e assim haveria emprego nas condições estabelecidas pelos empregadores.

O Princípio da Desmercantilização não se aplica a todas as políticas públicas, mas no caso específico das políticas sociais que são políticas públicas com recorte residual, seletivo, para um público em situação de pobreza ou de risco social. Assim, o Princípio da Desmercantilização equilibraria a ação do mercado sobre a vida das pessoas, nos seus direitos sociais. Acabaria por viabilizar o Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana. Diferentemente da corrente liberal em defesa da mercantilização do trabalho, o Princípio da Desmercantilização ajuda através de políticas que diminuem a miséria, uma vez que provoca, ainda que pequena, uma redistribuição de renda, denominada de justiça distributiva. Forçar ao trabalho pessoas sem o mínimo social é forçá-las a entrar no mercado de trabalho sem poder de barganha, submetê-las ao arbítrio do mercado, aliená-las, haja vista que as mesmas não se identificariam enquanto pessoas com vontade própria a um trabalho que melhor expresse a sua verdadeira vocação, ajudando ainda a concentrar a riqueza na mão de poucos.

Por isso, o Princípio da Desmercantilização das políticas sociais colabora também com o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e com o fundamento constitucional da valorização do trabalho humano e incita o Estado a criar postos e novas condições de trabalho que atendam ao Princípio da Busca do Pleno Emprego em seu sentido estrito, sem ferir os fundamentos da República Federativa do Brasil e da Ordem Econômica de 1988.

Mas como podemos vislumbrar a continuidade desse Princípio da Desmercantilização das políticas sociais com a expansão do Quarto Setor, que em tese, qualquer pessoa pode ser um empreendedor, ainda que a verdade material dos fatos nos apontem para vínculos empregatícios não formalizados? O Quarto Setor se espande sem o acompanhamento das entradas devidas ao Estado (contribuições sociais que não são pagas, concentração de renda sem taxação de grandes fortunas, etc). Isso pode ser um sinal de que com a expansão do Quarto Setor, em detrimento da busca do pleno emprego conjugado com o princípio da dignidade da pessoa humana, as politicas sociais desmercantilizadoras também estejam comprometidas no futuro.


Laura Berquó

quinta-feira, 11 de dezembro de 2025

O QUARTO SETOR E SUA CRIAÇÃO PELO NEOLIBERALISMO


 Já estávamos acostumados com a divisão clássica em Estado (Administração Pública), Mercado e Terceiro Setor. O Terceiro Setor chega ao Brasil com as Santas Casas de Misericórdia. Santos possui o hospital mais antigo do Brasil (1543) fruto do Terceiro Setor trazido no início da colonização. Mas com a ideia de cada vez mais "uberizar" as relações trabalhistas, surgiu há algum tempo a ideia de um Quarto Setor. No Quarto Setor ficam os chamados "empreendedores" com seu vínculo informal, que na prática não são autônomos, mas subordinados às plataformas de entrega e de motoristas. O mesmo caso de empregados pejotizados. O Quarto Setor é assim nomeado, sendo um limbo entre mercado e trabalhadores subordinados, que tem provocado um grande prejuízo à Previdência Social. Não confundir com MEI que é uma política pública fiscal e previdenciária para microeemprendedores que percebem faturamento anual de até R$ 81.000,00. Esses microempreendedores se encontram no conceito de mercado, embora agentes econômicos com menor faturamento e com algumas atividades discutíveis tidas como possíveis microempreendedores a exemplo das diaristas, que em muitos casos estão em um  vínculo empregatício sem percepção de seus direitos. O grande prejuízo aos trabalhadores e a concentração de renda para criadores dessas starturps que depois geram fortunas somente para seus criadores, explorando mão de obra alheia, caracterizam o Quarto Setor somados às tentativas de desmantelar a Justiça do Trabalho e os direitos trabalhistas, chamando trabalhador informal de empreendedor e incutindo a ideia de "colaborador" nos trabalhadores celetistas. Recentemente, vimos o empenho do Deputado Federal Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PL-SP) em recolher assinaturas para sua proposta de PEC de extinção da Justiça do Trabalho. O Quarto Setor tem se expandido a partir da inobservância e desconstrução dos direitos sociais, mas não é só. Continuaremos em outra postagem sobre prostituição, e outros tipos femininos que têm sido estudados pela antropologia de gênero, e o Quarto Setor.


Laura Berquó

domingo, 30 de novembro de 2025

OS 61 ANOS DO ESTATUTO DA TERRA E A INFLUÊNCIA NORTE-AMERICANA: A PARAÍBA

 




(capa do projeto de tramitação no Congresso Nacional da Carta de Punta Del Leste)


OS 61 ANOS DO ESTATUTO DA TERRA E A  INFLUÊNCIA NORTE-AMERICANA: A PARAÍBA 


A Lei n 4504, de 30 de novembro de 1964 completa hoje 61 anos. Na verdade, por muito tempo as mudanças legislativas dos anos 60 foram uma obsessão nos meus anos universitários quando li em Aliomar Baleeiro que o Brasil, assim como outros países latino-americanos que no período de 05 a 17 de agosto anuíram com a Carta de Punta Del Leste de 1961 deveriam modificar suas legislações agrárias, bancárias, fiscais, tributárias, etc em 10 anos. Era o Programa Aliança Para o Progresso. De fato, foi o que se viu durante a Ditadura Militar no Brasil, com exceção da Lei 4320 que é de 17.03.1964, mas provavelmente decorrente de exigência do Programa. Na década de 1950 temos a ebulição das ligas camponesas em Pernambuco e Paraíba com violências no campo que repercutiram na Paraíba até os anos 80 com a morte da líder sindicalista Margarida Maria Alves e com assassinato de lideranças quilombolas no litoral Sul do Estado da Paraíba como Zé de Lela que se insurgiu contra grileiros de terras quilombolas e tabajaras. Nesse intervalo entre os anos 50 a 80  houve também derramamento de sangue com o assassinato de João Pedro Teixeira em 02.04.1962 e com o desaparecimento/assassinato das lideranças sindicalistas Nego Fuba e Pedro Fazendeiro, sendo um deles em relatos populares, segundo Khoury, provavelmente queimado vivo amarrado a uma árvore a mando do latifúndio paraibano. O Estatuto da Terra inclusive é muito mal estudado nas faculdades de Direito paraibanas, sendo o Direito Agrário tratado como disciplina de 1 semestre ou menos quando juntam em 1 semestre o conteúdo com a disciplina de Direito Ambiental. O fato é que a terra é um fator de produção que tem provocado a discórdia da humanidade, o fluxo de pessoas escravizadas ou não, a propriedade privada e pobreza de grupos não beneficiados, entendendo como terra aqui todos os recursos naturais passíveis de exploração. O Estatuto da Terra inclusive traz o conceito de pleno emprego em sentido amplo, em que todos os fatores de produção devem ser otimizados, mas sabedores que somos que os anos 60 privilegiaram o fator capital e sua expansão. 

Laura Berquó

quarta-feira, 5 de novembro de 2025

"ATUALIZAÇÃO" DO PAPIRO ERÓTICO DE TURIM: A IMPORTUNAÇÃO SEXUAL CONTRA A PRESIDENTE DO MÉXICO



 "ATUALIZAÇÃO" DO PAPIRO ERÓTICO DE TURIM: A IMPORTUNAÇÃO SEXUAL CONTRA A PRESIDENTE DO MÉXICO



O Canal History Discovery apresentou há alguns anos um documentário sobre o Papiro “Erótico” de Turim, encontrado no Egito e que data de mais de um milênio antes de Cristo. Além de tratar da sexualidade no Antigo Egito e de estética feminina, o referido documentário trouxe grafites da época que demonstram a forma de protesto contra dirigentes mulheres por meio de desenhos pornográficos. Do Egito Antigo para os dias atuais nada mudou, não é verdade? Basta gravarmos a misoginia pornográfica sofrida pela ex-presidente Dilma Roussef que às vésperas de seu impeachment foi alvo de piadas por meio de adesivos pornográficos colados às tampas dos tanques de combustível dos carros, em que a imagem da ex-presidente era reproduzida com as pernas abertas.


Mostrando que a misoginia e ofensas de cunho sexual e até mesmo podendo chegar à violência sexual de fato por ocuparmos espaços públicos de poder, saiu na imprensa que a Presidente do México,   Claudia Sheinbaum, foi vítima de importunação sexual enquanto cumprimentava eleitores na Cidade do México. Um homem chamado Uriel Rivera, que já foi preso, tocou seus seios e corpo de forma obscena, além de tentar beijá-la. O que chama a atenção na notícia do Metrópoles é que "manteve a calma, tratou o homem com gentileza e até aceitou tirar uma foto com ele". E se tivesse rodado a mão na cara do sujeito estaria errada? Porque parece que além da violência devemos manter o autocontrole em nome da liturgia do cargo, como se homens passassem por isso.


Laura Berquó

quinta-feira, 30 de outubro de 2025

MÉRIMÉE, DONIZETTI E POMBAGIRAS

 




MÉRIMÉE, DONIZETTI E POMBAGIRAS 


''Moço, eu já cansei de lhe dizer que mais cedo ou mais tarde, isso ia acontecer. Você ainda vai bater no meu portão, a toda hora implorando o meu perdão, mas eu não posso aceitar de coração, porque mulher tem que ter opinião", esta estrofe é um ponto para Pombagiras cantado em terreiros de Umbanda e aqui na Paraíba em terreiros de Candomblé que iniciaram os cultos afro -brasileiros a partir da Umbanda e da Jurema Sagrada, sendo difícil as casas de Candomblé na Paraíba não possuírem suas festas para Pombagira ou não manterem a sua Jurema de chão. Mas quem são as temidas Pombagiras para os não-adeptos, porém amadas e admiradas por umbandistas e candomblecistas? A Pombagira é um espírito de mulher, é antes de mais nada um espírito desencarnado que através de um/a médium incorpora para poder através de seus conselhos e apoio espiritual ajudar aos encarnados em diversas questões: amorosas, trabalho, saúde, etc, etc. Com certeza, somente nos terreiros de Umbanda acharam o solo fértil para que pudessem prestar o seu serviço solidário às diversas pessoas sem os preconceitos inerentes à visão espírita kardecista. Esta sofreu a influência das religiões abrâamicas sobre a sexualidade feminina. Os adeptos da Umbanda recorrem às mulheres que em vida tiveram suas existências traçadas por um estilo de vida, em sua maioria, reprovável socialmente. Muitas foram: cortesãs, prostitutas, amantes e se retrocedermos à Grécia Antiga, foram hetairai, e em outras civilizações Prostitutas Sagradas. Também foram queimadas pela fogueira da Santa Inquisição ou perseguidas como bruxas. A Moça mais famosa no Brasil (e países vizinhos como Argentina) e que comanda as legiões de Pombagiras no astral, é sem dúvida Dona Maria Padilha. Seu nome original é espanhol Maria Del Padilha, de origem incerta, espanhola cigana quem sabe, mas que conquistou em idos do século XIV o coração de um príncipe, causando horror por sua ousadia, magias, etc. Dona Maria Padilha é citada na obra 'Carmem' de Prosper Merimée, datada do século XIX e que inspirou a ópera famosa de outro francês, George Bizet. Faz referência à célebre entidade, quando narra que a cigana Carmem orava e pedia ao espírito da então cigana de Maria del Padilha proteção e ajuda para resolução de problemas. Trata-se da mesma entidade. Logo, tudo indica que Maria Padilha não é lenda, mas foi antes de tudo uma realidade. Na Ópera podemos ver a dedicação à figura histórica de Dona Maria Del Padilla, através da composição de Gaetano Donizetti com libreto de Gaetano Rossi, obra do século XIX. Tanto Bizet, como Merimée, assim como Donizetti e Rossi pertencem ao período do romantismo onde há a exaltação de figuras femininas do período da Baixa Idade Média. Laroyê, Dona Maria Padilha do Cabaré!

Laura Berquó

Obs.: esse artigo já foi várias vezes republicados em veículos diversos

SOBRE A SÍNDROME DE SENHORITA MORELLO


 Print do site Mundo Negro acima @sitemundonegro 


Uma coisa que aprendi com movimentos sociais e grupos de estudos  é que nós pessoas brancas ou lidas socialmente como brancas não devemos ser os "brancos salvadores"... Esse comportamento em pessoas brancas recebe o nome de Síndrome de Senhorita Morello. Na verdade, é uma usurpação do lugar de fala e de protagonismo de pessoas negras, que ascendem pelos próprios esforços e cujas conquistas são atribuídas aos brancos salvadores.

Laura Berquó

quarta-feira, 29 de outubro de 2025

ENTRE O DIABO E A TORRE: POR QUE TENTAM NOS SILENCIAR E INTERROMPER?

 



ENTRE O DIABO E A TORRE: POR QUE TENTAM NOS SILENCIAR E INTERROMPER?

Hoje reclamei estar sofrendo manterrupting em um grupo de advogados, onde sofri injúrias por cincunlóquios, tentativa de invisibilização das minhas postagens por uma advogada que tem o habito de postar em seguida a mim, de forma frenética, para que minha fala sempre suma nos grupos, bem como ainda tenho que lidar com os que se prestam a me perseguir por delegação de assediadores. Sim, falo de advogados e advogadas. No patriarcado de saias, algumas mulheres se iludem achando que estão rompendo padrões, quando se prestam a fazer o que homens costumam fazer: interromper, tentar intimidar, silenciar, excluir de espaços públicos mulheres que não aceitam ser subjugadas. Mulheres que estão colocadas entre os arcanos de O Diabo e de A Torre por perverterem a ordem imposta. Mulheres subvertem a ordem quando não se calam. E o bullying institucional, que é proprio de ambientes onde ocorrem assédios morais, tenta colocar mulheres que denunciam como as erradas. Nada mais arcaico em homens que não entenderam que nós mulheres não nos limitamos às nossas vaginas e que elas estão ao nosso serviço e não para sermos reduzidas ao nada por homens que se sentem ameaçados por mulheres fora do script. Sobre mulheres que odeiam mulheres, não vejo diferença delas para os homens, pois na prática são feministas liberais, que querem que aguentemos caladas e silenciadas em nome do bom nome da entidade, família e etc. O que posso dizer: melhorem! Aguardando o tempo em que A Roda da Fortuna gire. Na planície, muito roedor se esconde.

Laura Berquó