A primeira indicação de leitura é "Medéia", tragédia grega que tem Eurípedes como autor. Eurípedes, a voz feminina da Grécia Antiga porque todas as suas tragédias tratam de heroínas. Foi escrito em 431 a.C.. Eurípedes leva para o teatro o mito de Medéia, esta que é a minha "ídala". Como já disse, não tenho vocação para Ariadne. Eu particularmente, sempre me dei ao luxo de ter a minha vida, assim que consegui me emancipar e me dei ao luxo também de rejeitar ao casamento, apesar de ser uma mulher bonita e com as qualidades (objetivas) exigidas para um casamento convencional. Mas eu não saberia ser uma Ariadne que dá tudo o que tem e acabar falecendo de desgosto numa ilha abandonada por um herói, ainda que um Deus se compadecesse de mim. Eu tenho vocação pra Medeia mesmo. Aquela Medeia que traiu seu sangue por um homem e matou seus filhos. Por que ela fez isso? Porque assim como Ariadne ela foi iludida. Tão atual como a nossa sociedade em que em troca de um "eu te amo" ou promessas que nunca se cumprem, os homens continuam sugando nossas energias, inclusive patrimoniais. Ariadne sucumbiu, mas Medeia não. Após ir viver com Jasão, da mesma forma que os interesses deste começaram a mudar, o mesmo tentou dispor do destino daquela que não lhe era mais útil. Por que teria Medeia que se sujeitar ao papel que o seu homem queria lhe destinar? Logo ela que além de ser "má" era também uma grande "feiticeira", uma mulher com poder, um poder seu, também reconhecido mas limitado às expectativas daquele mundo grego, em que mulheres poderosas eram feiticeiras, mas nunca políticas, etc, etc. Medeia matou seus filhos? Não, ela não matou seus filhos! Ela matou os filhos de Jasão, porque na Grécia Antiga, assim como em Roma, os filhos eram propriedade dos seus pais, DOS HOMENS. Os filhos não eram da mãe. Que mal fez então em destruir com a extensão do patrimônio de seu marido que agora resolvia dispor de sua sorte, dizendo qual seria agora seu lugar no mundo? Logo ela que diferente de Ariadne, não se perdeu psicologicamente no labirinto em que seu poderoso herói foi erguido pelo seu fio, o fio de uma mulher, para entrar para a história, às custas da dignidade e do saber de uma mulher ingênua, apaixonada, para depois se desfazer dela. Medeia não, não sucumbiu, deve ter chorado a morte de seus filhos sim, mas antes extensão de um homem que a oprimia do que dela mesma naquela cultura. Porque tudo que vem de nós, seja ideia, seja suor, seja nosso brilho, é extensão nossa, nós seres que nascemos com vagina e muitas vezes somos criticadas até pela forma como resolvemos dispor dela e com quem, mas que ainda devemos seguir regras e assim esquecemos do que somos. Atualmente, nossos filhos continuam sem nos pertencer. Essa é a verdade, e a prova é o aborto descriminalizado já nos anos 40 em caso de estupro e sabem o porquê? Porque a sociedade patriarcal dos anos 40 e que se arrasta até hoje com relação ao aborto só o aceita em caso de estupro porque para um homem seria cruel ver sua esposa estuprada dar a luz a um bastardo, que não tivesse seu sangue. A propriedade, que se estende ao corpo da esposa teria sido esbulhada por outro. O pai de família teria o nome maculado de seu clã com uma filha grávida, porque alguém esbulhou a sua propriedade. O aborto nesses casos continua sendo um favor ao nome do chefe de família, e não para a mulher vítima do estupro, porque primeiro é a honra do homem que se livra de ser maculada por um bastardo. Agora isso tudo pra dizer, que toda Medeia era para ser tratada com respeito. E hoje eu estou aqui pra fazer valer meu lado Medeia. Eu não vou sucumbir como Ariadne, porque eu ainda quero dispor da minha inteligência, da minha disposição pra luta, pra continuar a denunciar as violências por onde passo e vejo e as que eu sofro também.
Laura Berquó
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