A Pérola Negra do mês de junho é mais uma bela mulher negra e militante |
Traz no rosto as marcas de sua história |
E nos brinda com suas palavras um pouco dessa história |
PREZAD@S, CONHEÇAM A PÉROLA NEGRA DO MÊS DE JUNHO DE 2016: CLAREANA CENDY. CLAREANA NOS BRINDA COM SUA HISTÓRIA DE CRESCIMENTO PESSOAL E VIVÊNCIAS A PARTIR DA BUSCA DE CONSTRUÇÃO DA SUA IDENTIDADE REAFIRMADA NAS SUAS LUTAS EM PROL DE UMA SOCIEDADE MENOS RACISTA E MACHISTA. AS FOTOS SÃO DE FERNANDO TAVARES.
"AS
PRIMEIRAS IMPRESSÕES, LENDO O MUNDO.
Meu nome é Clareana Cendy
Borba de Lucena Mendonça. Nasci no dia 08 de outubro no ano de 1981. São 33
anos de vivencias diversas e ímpares que foram primordiais para a mulher que
sou hoje. Irei aqui fazer uma analise histórica sobre tudo que foi marcante na
minha vida, e como foi importante vivenciar cada uma delas aprendendo passo a
passo fazer uma leitura da realidade em que eu me encontrava a realidade de
mundo em que eu estava inserida, perpassado pela diversidade de leitura de
mundo das pessoas de meu convívio e como essas realidades foram importantes
também na minha construção e leitura de mundo.
Cresci escutando versões
diferentes sobre a “equivocada” união de meus pais. Enquanto minha mãe falava
que havia se casado com eu pai porque fora obrigada pelo meu avô. Do outro lado
meu pai se explicava dizendo que nunca tinha amado outra mulher que não fosse a
minha mãe. Esse foi o primeiro conto, que me foi dado a fazer uma leitura de
mundo. Meus avôs tentavam amenizar a panos quentes dizendo que a mulher deveria
casar independente de amar ou não, teria que cassar por uma questão de honra.
Se a versão do meu avô for a que mais se aproxima da verdade não é difícil
imaginar o por que. Não é fácil se colocar perante uma sociedade patriarcal que
visa monitorar e controlar a emancipação da mulher o tempo todo. A construção
desse cenário de desigualdade se deu através da violência mascarada pela
relação de poder do homem sobre a mulher, fazendo com que a submissão seja uma
peça fundamental para a manutenção desse poder.
Quando falamos relações de
Gênero, estamos falando de poder. À medida que as relações existentes entre
masculino e feminino são relações desiguais, assimétricas, mantêm a mulher
subjugada ao homem e ao domínio patriarcal (COSTA, 2008)
Ao se relacionar e se encontrarem as
escondidas logo o patriarca da família para lavar sua honra haveria de casar a
filha logo, pois nada poderia ser pior do que ter uma filha desonrada dentro de
casa, à mulher nessa condição era apontada e motivo de assunto por muito tempo
na comunidade.
Todas essas respostas do
ponto de vista de cada um me fazem querer mais respostas sobre essa situação.
Será que a foi assim que se deu essa união? Porque uma mulher nova com 17 anos
e segundo grau completo, na época um elevado patamar de escolarização foi
obrigada a casar e não houve nenhuma reinvindicação? Meu pai havia casado com
minha mãe quando tinha 22 anos e ela 17 anos.
Ambos muito novos e inexperientes. Imagino que a responsabilidade de um
casamento aliado a uma gravidez em seguida não foi fácil para nenhum dos dois.
Mas ao mesmo tempo em que penso nas dificuldades de ambos, penso também na
atitude de negação dessa responsabilidade.
Obtive algumas informações
que me abriram os olhos sobre a negação dessa responsabilidade por parte dos
meus pais, pois logo que eu nasci, foi à matriarca da família, minha avó, quem
cuidou de mim e me criou desde o dia em que sai da maternidade até o dia em que
me casei e sai de casa. O casamento dos meus pais não durou mais do que 10
meses. Porque mesmo depois de casados nada deu certo? Haveria meu avô tomado
partido e me criarem, pois minha mãe e meu pai não se entendiam? Porque minha
mãe preferiu deixar minha avó me criar? O fato é que minha avó que chamo de
mãe, preencheu esse espaço do jeito dela nas condições dela.
Falar sobre meu passado é
mergulhar em um tempo difícil de recursos e direitos, pois cresci em um bairro periférico
em uma casa de construção antiga com móveis rústicos e nada de muito conforto.
Lembro-me bem de uma cama muito velha, feita de madeira de jacarandá coberta
com tenda de tule, da qual dormia entre meus avôs. A casa era estreita e
comprida feitas com tijolos maciços de argila que vez ou outra ao cair o reboco
eles apareciam. A vida humilde e simples de uma família que trabalhava muito
para garantir minimamente o essencial, a dignidade.
Remexendo antigas caixas e
pastas de fotografias na casa de minha avó neste final de Semana Santa que na minha família que para os meus avós tinha muito
significado, afinal eram católicos e semana santa é sagrado. Ao me ver com o
desafio de escrever um memorial a partir do olhar de Paulo Freire , sobre a
questão de leitura de mundo, fui em busca de algo que me direcionasse as
recordações de minha infância, pude
encontrar muitos elementos s que lembraram a minha origem, meu passado. Dentre
vários objetos encontrados estão, fotografias, peças de vestuários, brinquedos,
livros e o mais curioso de todos, meu cordão umbilical. Tudo que encontrei foi
sem sombra de dúvidas um universo diverso sobre mim. Através de fotografias,
que fazem uma ligação com as vivencias mencionadas. A velha cama antiga que
todo dia 08 de outubro data do meu aniversário nesse dia ficava recheada de
pacotes e sacolas de presentes, hábito antigo no nordeste, que coloca os
presentes recebidos pelos convidados na cama do aniversariante. Outro detalhe bem
peculiar que se encontra registrado nas fotografias são as roupas, vestidos de
cambraia simples costurados pela minha avó e terno de linho do qual era a
especialidade do meu avô que exercia a profissão de alfaiate desde os 17 anos.
Sendo assim, entrando no
túnel do tempo podemos imaginar em como se deu o cenário histórico social e
cultural do fim da década de 70 e inicio dos anos 80 e reviver uma parte do meu
passado, mergulhando nas fotografias fazendo a leitura de imagens buscando cada
detalhe, assim nos relatos de jornais locais, vídeos entre outros que possam
indiciar evidências do passado da história de uma vida de um determinado lugar
e tempo que terá características de uma realidade nordestina, de muito
sacrifício e dificuldades consequência de uma trajetória de lutas por dias
melhores.
Meu primeiro contato com a
escola se deu aos quatro anos de idade e me lembro de como eram as aulas, pois
foi uma vivencia confusa para mim. Muitas crianças em um único espaço, muitas
de idades diferentes da minha. Esse primeiro contato tardio como espaço escolar
pode ser justificado hoje pela falta de políticas públicas da época, não
havendo uma garantia de educação pública infantil para crianças abaixo de sete
anos. A negação da parte do estado, não garantindo esses espaços escolares para
crianças a baixo de sete anos e consequentemente só a partir do primeiro ano do
primário, assim chamado. Essa inviabilidade pública, fez com que muitos pais
contratassem professoras ou ensinassem seus filhos em casa até a idade de
iniciação em uma escola formal. Nesse sentido alguns pais viam a necessidade de
instruir seus filhos antes dessa mesma entrar no primário.
O INÍCIO DE UMA TRAJETÓRIA
QUE PROTAGONIZA UMA IDEOLOGIA DE RESISTÊNCIA E LUTAS.
Enfim inicio no primeiro ano
do primário em uma escola também perto de minha residência. A escola era o
Instituto Tiradentes Lá funcionavam os turnos da manhã e da tarde. Uma das
coisas que mais me marcou nessa época foi um apelido preconceituoso de “Xuxa
Preta” que meus colegas faziam questão de chamar, essas agressões me
incomodaram, mas não abalava minha autoestima. Esse apelido foi construído em
torno de um penteado que minha avó fazia em mim. O “Xuxa” era referente à
apresentadora de programa que com ajuda da rede Globo alienou milhares de
crianças durante duas gerações e o “preta” foi por conta do meu cabelo e minha
cor, que diferentemente não eram os mesmos que os da Xuxa. Mesmo não tendo uma
referência no meio familiar em relação a fortalecer a negritude e identidade
afro, mesmo assim eu curtia muito meu cabelo e enquanto todas as outras
crianças negras alisavam seus cabelos afro, eu não queria e brigava com minha
mãe alegando que não queria nunca alisar meu cabelo. Hoje analisando e trazendo
essas lembranças me pergunto se eu não já estava fazendo uma revolução na
escola.
Pensando nessa minha atitude de protagonismo,
pude entender que o momento em que fui
por dois anos consecutivos a noiva da quadrilha de São João, tradicionalmente
realizada na escola, eu uma menina negra e de cabelo afro, transcendendo os
olhares preconceituosos dos pais e visitantes da festa estava ali de cabeça
erguida, e observava os olhares de orgulho de minha avó, que não cabia de
felicidade por me ver naquele lugar.
Esse incentivo a minha
identidade por parte de minha vó foi essencial para a mulher que me tornei,
através dela e da realidade que me cercava pude crescer sendo empoderada a
fazer a diferença e me colocar no mundo com altivez e orgulho da minha cultura,
da minha origem de mulher negra, nordestina, que não cruza os braços vai em
busca de conquistas. E o primeiro gole dessas conquistas se deu através desse
protagonismo cultural, no qual eu estava inserida, danças, manifestações como a
quadrilha junina, carnaval tradição e tribos indígenas e tantos outros contatos
com a cultura.
Ganhei meu primeiro violão
aos 12 anos que me oportunizou participar de bandas e apresentações na escola,
e logo no ensino fundamental no Instituto Paraibano Afonso Pereira onde era uma
pré-adolescente bem articulada nos anos 90, mesclando cultura a minha
autonomia. Fui representante de turma por anos, assim como uma boa oradora nos
momentos importantes da trajetória escolar onde estava inserida. No ano do fora
color aconteceram milhares de levantes
em todo o Brasil, observava que não havia movimentação na minha escola em
relação a participação política no fora Collor, porque isso teria acontecido? A
escola simplesmente ignorava os levantes. Isso me incomodou e me levou a
refletir procurando me articular e mobilizar uma atitude coletiva. Conhecia
alunos do Lyceu Paraibano que me incentivaram a organizar essa ação. Na ocasião por coincidência um amigo havia
levado dois tiros na frente da escola, então esse foi o primeiro motivo a
organizar um levante fazendo a ponte entre o combate a violência e o direito de
lutar por um Brasil melhor exercendo a cidadania. Saímos nas ruas de Jaguaribe
passando pelo centro administrativo do estado e logo após em sentido ao palácio
do governador, todos e todas com os rostos pintados entre o verde e o amarelo e
o preto em protesto a violência. Essa foi à primeira de muitas manifestações
que agora não apenas só cultural, e sim política que pude participar.
No final dos anos 90 eu já
era membro dos Agentes de Pastoral Negro da Paraíba – APN’s entidade ligada a
arquidiocese da Paraíba. Trabalhei como voluntária no Disque Racismo, e lá a
minha leitura de mundo foi ampliada, tive a oportunidade de conhecer várias
outras manifestações não só culturalmente falando mas também do ponto de vista
histórico, social e político. Tudo aquilo me encantava, as bandeiras de luta as
reinvindicações pertinentes a construção
de um mundo mais justo, igualitário que valorize as diferenças e respeite as
diversidade, e esse mundo poderia sim ser construído , a partir da leitura de
mundo que poderíamos fazer e fomentar entre o nosso povo.
Dentro do mosteiro de São
Bento onde estava situada a sede dos APN’s e do Disque Racismo, estavam também
a Pastoral da Criança, do Idoso, da Terra entre tantas outras. Então estava
inserida nesse universo juntamente do Movimento Negro Unificado, com os grupos
de capoeira, movimento Hip Hop, povos tradicionais de matriz africana e uma
infinidade de aprendizados a percorrer.
Foi sem sombra de dúvida uma
base importantíssima para minha vida , essas relações e vivencias fizeram parte
da minha formação enquanto pessoa política e crítica, essa leitura me fez
querer algo ainda mais focado na luta por direitos iguais . Em 2005 recebi o
convite para a construção de um partido novo, que estava disposto a construção
desse mundo idealizado, assim fundamos o PSOL na Paraíba. No ano seguinte com
25 anos fui candidata a deputada federal representando a juventude negra,
levanto a bandeira do nosso povo em minhas propostas, para que juntos
pudéssemos pensar de maneira coletiva em como construir essas políticas. Obtive
883 votos que para mim valeram muito do ponto de vista de ser uma jovem pobre,
negra oriunda de periferia sem partido grande financiando nem sendo massa de
manobra de ninguém, apenas escutei os meus companheiros e companheiras e fui em
frente.
Essa experiência me levou a
exercer minha cidadania de forma mais intensa participando assim dos conselhos
de nossa cidade e estado, como foi o caso de minha gestão como sociedade civil
no Conselho Estadual de Promoção da Igualdade Racial da Paraíba do ano de
2011 a 2013. Como controle social me sentia totalmente a vontade de representar
o nosso seguimento, levar as demandas do nosso povo, lutar e cobrar do Estado
nosso direitos fui e é um exercício riquíssimo de aprendizado. Ser ativista
cultural e militante negra eram base de um compromisso firmando todos os dias,
na luta diária por direitos iguais.
Em 2014 entro nesta
instituição para cursar Pedagogia, curso que sempre almejei pelo seu objetivo
principal, ser mediadora de conhecimentos e empoderar atraves da educação para
a formação e transformação social que podem se dar por meio desse processo
educacional.
Uma das coisas que me recordo
de minha infancia, e me fazem sentir triste eram as imagens do negro nos livros
didáticos, assim como a “História contada a partir do ponto de vista do
opressor”. Como educadora tenho o compromisso de fazer uma analise crítica
junto aos educandos, de forma dialógica e crítica mediar essa discurssão para
então pensarmos coletivamente com um outro viés de modelo educacional. O
movimento negro ao longo das décadas vem dialogando acerca das políticas públicas
étnico-raciais, como a questão da lei 10.639/2003, que determina o ensino de
história e cultura afro-brasileira, entendendo a contribuição do negro/a em
vários seguimentos como a cultura, literatura, arquitetura, culinária enfim a
todas essas áreas que aborda nossa identidade, a do povo negro de maneira
positiva levando em consideração a verdadeira contribuição dos negros/as para a
formação de nossa nação pensando na desconstrução do processo histórico e
negativo que foi a escravidão em forma de racismo no Brasil.
O racismo é uma forma de
ideologia que se desenvolveu no mundo moderno e ajudou na justificação da
escravidão no Novo Mundo e as pretensões imperialistas da Europa ocidental em
todos os continentes. Para Marx, são as relações de produção escravistas que
colocam um ser humano em uma posição social de subjugação, de trabalho forçado,
de exploração econômica, de opressão e violência material e simbólica. As
representações desenvolvidas nas formas de consciência social com base na
matéria prima dessa situação de opressão levaram ao desenvolvimento de uma
ideologia racista que chegou até os nossos dias. (PRAXEDES, 2003)
É preciso entender que
anterior a luta do Movimento Negro falar do negro nos livros de histórias
ilustrados por Rugendas e Debret, é olhar para uma imagem totalmente negativa,
evidenciando que ser negro é sinônimo de sofrimento, dor, coisas negativas. Já
com a lei 10.639/2003 visualizamos uma mudança no currículo atual sendo
operada, mas essa mudança e efetivação não é tão simples assim, a lei é de 2003
e mesmo assim conseguimos ver esses avanços a custos passos.
No texto Histórias das disciplinas escolares e
História da educação podemos entender como é gritante ainda a valorização e
efetivação da Lei 10.639/2003, para que a mesma venha a disseminar o relato de
uma outra história , uma história que traga discussões e investigações sobre
questionamentos que até então foram arquivados com o objetivo de se mascarar ,
e não afirmar a contribuição do negro na construção de nossa sociedade. Por isso
a importância de se pensar em novos conteúdos, e versões visto que hoje podemos
dispor de outros materiais e pesquisa que mudam totalmente o cursor da história
que não foi dito nos livros de minha época.
Certamente
um dos motivos pelos quais a História das Disciplinas Escolares tem se
configurado, na atualidade brasileira, como uma importante área de estudos tem
sido a sua potencialidade em fornecer um novo olhar para a escola do passado,
permitindo perceber que a história dos ideários e dos discursos pedagógicos (SOUZA
e Galvão, p393).
Assim
me coloco a disposição para novas vivências e aprendizagens junto a esta
instituição, mais precisamente ao mediador desse conteúdo curricular o
professor Wilson Aragão, que estará fazendo esse movimento de ligação entre o
conteúdo e os participantes, agradecendo desde já ao profissional comprometido
com as causas educacionais, bem como sua contribuição na instituição como sendo
um dos organizadores da bandeira de luta por uma educação anti-racista almejo e
anseio por essa troca entendendo a importância de trabalhar com o diálogo na
turma acreditando que iremos aprender e trocar saberes que serviram para
ampliar nossa leitura de mundo, e mais na frente colocar em prática nas nossas
vidas essa. Avante por uma construção de mundo em busca de uma transformação
social através da educação." Por Clareana Cendy
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