domingo, 27 de dezembro de 2015

POMBAGIRAS, HETAIRAS E PROSTITUTAS



imagem retirada da internet

''Moço, eu já cansei de lhe dizer que mais cedo ou mais tarde, isso ia acontecer. Você ainda vai bater no meu portão, a toda hora implorando o meu perdão, mas eu não posso aceitar de coração, porque mulher tem que ter opinião", esta estrofe é um ponto para Pombagiras cantado em terreiros de Umbanda e aqui na Paraíba em terreiros de Candomblé que iniciaram os cultos afro -brasileiros a partir da umbanda e da Jurema Sagrada. Mas quem são as temidas Pombagiras para os não-adeptos, porém amadas e admiradas por umbandistas e candomblecistas? A Pombagira é um espírito de mulher, é antes de mais nada um espírito desencarnado que através de um/a médium incorpora para poder através de seus conselhos e apoio espiritual ajudar aos encarnados em diversas questões: amorosas, trabalho, saúde, etc, etc. Com certeza, somente nos terreiros de Umbanda acharam o solo fértil para que pudessem prestar o seu serviço solidário à diversas pessoas que sem os preconceitos inerentes à visão espírita kardecista recorrem à mulheres que em vida tiveram suas existências traçadas por um estilo de vida, em sua maioria, reprovável socialmente. Muitas foram: cortesãs, prostitutas, amantes e se retrocedermos à Grécia Antiga, foram hetairas, e em outras civilizações Prostitutas Sagradas. Mas por que o sexo e a sensualidade estão presentes na Pombagira? Porque no período em que encarnaram o sinônimo de liberdade e independência imposto pela sociedade às mulheres refletia-se na moral sexual. Por isso, acredito ainda que por mais que se queira dizer que a Pombagira sugira a figura de uma mulher livre, temos na verdade uma mulher presa ao que se espera dentro dos padrões sociais de outrora (e ainda hoje) do que seja liberdade, esta sempre em sentido pejorativo para nós mulheres. Não há liberdade verdadeira para essas mulheres que sempre correspondem às sombras de mulheres frustradas e à ânima mal resolvida de homens que criaram a figura da prostituta e o horror e medo à mulheres presas ao papel sexual ao qual foram empurradas pela sociedade para depois taxá-las de "livres". Eu sou apaixonada por Pombagiras, pela força, conselhos e experiência de vida que trazem ao incorporarem, um misto de glamour, ironia, mágoa, feminilidade e socorro aos corações machucados que recorrem ao seu poder e magia. A Pombagira é aquela mulher, amiga confidente desencarnada que ajuda principalmente a outras mulheres encarnadas a acharem a sua vitalidade, seja ela sexual ou existencial, geralmente mulheres encarnadas feridas no seu amor próprio, na sua auto-imagem, mulheres que em determinado momento de suas vidas deram muito poder a um homem que não as mereceram, mas também mulheres mães que pedem por seus filhos doentes, por seu marido desempregado, por sua família, por si mesmas. As Pombagiras são constantemente confundidas com quiumbas, espíritos atrasados, devido ao seu estilo de vida quando encarnadas, pela alegria inconfundível e boa vida que gostam de usufruir por meio de seus cavalos (médiuns). Confesso que prefiro a alegria delas à seriedade de espíritos bem comportados tidos como os ideias na filosofia kardecista. Várias obras trataram de nossas "moças", outro nome dado às nossas Pombagiras, irmãs na senda evolutiva, que no passado foram em sua maioria mulheres nem sempre felizes no amor mas que viveram pelo sexo (e não para), porque sinônimo de liberdade e de poder para outras a exemplo de cortesãs célebres e heitairas gregas. No futuro talvez as novas Pombagiras sejam professoras, médicas, advogadas, porque hoje a "liberdade" da mulher foi estendida para outros ofícios. A Moça mais famosa no Brasil (e países vizinhos como Argentina) e que comanda as legiões de Pombagiras no astral, é sem dúvida Dona Maria Padilha. Seu nome original é espanhol Maria Del Padilha, de origem incerta, espanhola cigana quem sabe, mas que conquistou em idos do século XIV o coração de um príncipe, causando horror por sua ousadia, magias, etc. É comum o nome de Pombagiras estarem aliadas à magia e ao estilo de vida ciganos ainda que não pertençam a nenhuma etnia cigana. Por isso muitas entidades recebem a alcunha de "Cigana" porque quando encarnadas muito se aproximaram do estilo de vida cigano  e se dedicaram aos aspectos da paranormalidade própria da cultura cigana. Voltando à  figura de Dona Maria Padilha, a obra 'Carmem' de Prosper Merimée, datada do século XIX e que inspirou a ópera famosa de outro francês, George Bizet, faz referência à célebre entidade, quando narra que a cigana Carmem orava e pedia ao espírito da então cigana de Maria del Padilha proteção e ajuda para resolução de problemas. Trata-se da mesma entidade. Logo, tudo indica que Maria Padilha não é lenda mas foi antes de tudo uma realidade.  Assim como Nêmesis, deusa grega da vingança, do equilíbrio cármico e do socorro e vingança  aos corações femininos feridos pelo abandono e escárnio de seus amantes, as Pombagiras são muito evocadas por mulheres que precisam de um apoio emocional e espiritual, em pleno século XXI ainda, pois infelizmente muitas mulheres ainda são tratadas como objetos, usadas e descartadas. Por isso, iniciamos o texto com o lindo ponto acima, onde a mulher já tendo resgatado sua auto-estima, sua força e vitalidade decide por outro caminho. Laroiê. Pombagira, mulher como eu!
Laura Berquó




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