Muitos textos
possuem esse título. Vamos falar novamente sobre aquela que teve um triste fim
por não saber quando parar. A bela Ariadne para conseguir o amor de Teseu
passou por cima dela mesma. Este deveria enfrentar o Minotauro, monstro que
habitava no labirinto em Creta. Buscava a vitória, a glória. Por essa razão,
mesmo sem corresponder da mesma forma ao amor de Ariadne casou-se com ela,
porque sabia que ela o levaria à gloria. Esta na esperança de ter seu amor
correspondido deu a Teseu um fio que este utilizou ao adentrar no labirinto
para que não se perdesse, para que pudesse buscar novamente o caminho de volta.
E assim foi vitorioso na luta contra o monstro. Porém só ele levou os louros.
Logo após, parte com sua esposa e a abandona numa ilha retornando para sua
pátria. A partir daí surgem várias versões. Uma de que seu amor não era
suficiente e por isso resolveu abandoná-la. Outra que Afrodite, a Deusa do
Amor, se comoveu com o desespero da jovem e encarregou Dionísio de desposá-la.
Outra versão diz que mesmo assim, a jovem morreu. Na verdade, Dionísio rege os
mistérios da iniciação, da espiritualidade e talvez por isso, também possa
simbolizar a embriaguez dos sentidos. Talvez qualquer ser humano sugado
através de um relacionamento amoroso necessite se conectar com sua
espiritualidade para então poder se redescobrir. Na nossa sociedade vemos
vários tipos de Ariadnes, onde o outro muitas vezes sabedor do amor que lhe é
depositado se apropria das coisas lhe são postas à disposição por aqueles que
não sabem que há limites para amar. Essas Ariadnes são aquelas pessoas que com
medo de perder o amor do outro se submetem a qualquer coisa. Tornam-se posse e
coisa do outro. Na condição de coisa, o outro pode se apropriar de seus frutos,
sejam eles quais forem. No direito civil vemos que um dos efeitos da posse é
justamente a percepção dos frutos. Quando o possuidor está de boa fé, os frutos
já percebidos continuam consigo. Quando de má-fé, esses frutos devem ser
devolvidos ao verdadeiro possuidor, dono. Mas na vida real é assim? Seria se na
nossa sociedade não vivêssemos tantas incertezas nos relacionamentos
descartáveis, onde as ameaças e medos de um fim no relacionamento não fosse o
que movesse as vontades, onde o outro não desfizesse do sentimento e ameaçasse
com finais e abandonos. São formas de apropriação inevitáveis. Muito
comum nas classes média e baixa vermos bares e restaurantes em que todas as
pessoas da família trabalham. Porém, quando nessa família existe um pai ou um
marido, o nome do empreendimento tem o nome do homem. Mulheres só dão nomes a
bares e restaurantes quando elas trabalham sem auxílio de marido ou
companheiro. Caso, contrário, o nome de fantasia é sempre o do homem. Essas
mulheres encontram-se na cozinha ou nos serviços gerais trabalhando até mais
que seus maridos e companheiros, que seus pais, mas são pessoas invisíveis,
mulheres cuja mão de obra é associada ao nome do homem e não aos delas. São
mulheres que ajudam a crescer um empreendimento, mas que não são vistas. São
trabalhadoras gratuitas em nome do que a gente considera a família tradicional,
heterossexual e patriarcal, onde o homem comanda e se apropria da força de
trabalho feminino. Vemos ainda esse tipo de comportamento quando
observamos casais jovens e pobres. O homem pobre se casa com uma mulher pobre,
mas que tenha força de trabalho para construir com ele um patrimônio
considerável que mais tarde dará a ele todo o status, poder econômico. Só que também é comum esse
mesmo homem trocar sua companheira por outra que possa dar visibilidade a esse
poder. Por isso as críticas feitas em sociedade aos homens que se casam com
mulheres mais jovens, porque na maioria das vezes é uma relação de exibição de
poder, trocas simbólicas de poder. São muitas as Ariadnes. E os homens também
podem ser Ariadnes. Ariadne é uma condição do ser humano carente, que entrega
tudo que tem, inclusive seu poder de barganha, sua força, sua mão-de-obra, em
troca de um amor que possa ser correspondido. São pessoas que temem dizer Não e
assim correr o risco de perder aquilo que talvez nunca tenham tido. São pessoas
que doam presentes e tudo que possuem para conquistar um amor interesseiro,
como vi recentemente um jovem senhor e um rapaz, onde aquele dava muitos
presentes para o seu par, mas que continuava insatisfeito a sugar tudo que o
outro podia dar em troca de um amor a La Ariadne. Talvez qualquer dia essas pessoas sejam largadas em alguma
ilha, mas se não puderem contar com a força da própria espiritualidade não
venham nunca a entender onde falharam e o que é o verdadeiro amor.
Laura Berquó
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