sábado, 26 de dezembro de 2015

O FIO DE ARIADNE

Muitos textos possuem esse título. Vamos falar novamente sobre aquela que teve um triste fim por não saber quando parar.  A bela Ariadne para conseguir o amor de Teseu passou por cima dela mesma. Este deveria enfrentar o Minotauro, monstro que habitava no labirinto em Creta. Buscava a vitória, a glória. Por essa razão, mesmo sem corresponder da mesma forma ao amor de Ariadne casou-se com ela, porque sabia que ela o levaria à gloria. Esta na esperança de ter seu amor correspondido deu a Teseu um fio que este utilizou ao adentrar no labirinto para que não se perdesse, para que pudesse buscar novamente o caminho de volta. E assim foi vitorioso na luta contra o monstro. Porém só ele levou os louros. Logo após, parte com sua esposa e a abandona numa ilha retornando para sua pátria. A partir daí surgem várias versões. Uma de que seu amor não era suficiente e por isso resolveu abandoná-la. Outra que Afrodite, a Deusa do Amor, se comoveu com o desespero da jovem e encarregou Dionísio de desposá-la. Outra versão diz que mesmo assim, a jovem morreu. Na verdade, Dionísio rege os mistérios da iniciação, da espiritualidade e talvez por isso, também possa simbolizar a embriaguez dos sentidos.  Talvez qualquer ser humano sugado através de um relacionamento amoroso necessite se conectar com sua espiritualidade para então poder se redescobrir. Na nossa sociedade vemos vários tipos de Ariadnes, onde o outro muitas vezes sabedor do amor que lhe é depositado se apropria das coisas lhe são postas à disposição por aqueles que não sabem que há limites para amar. Essas Ariadnes são aquelas pessoas que com medo de perder o amor do outro se submetem a qualquer coisa. Tornam-se posse e coisa do outro. Na condição de coisa, o outro pode se apropriar de seus frutos, sejam eles quais forem. No direito civil vemos que um dos efeitos da posse é justamente a percepção dos frutos. Quando o possuidor está de boa fé, os frutos já percebidos continuam consigo. Quando de má-fé, esses frutos devem ser devolvidos ao verdadeiro possuidor, dono. Mas na vida real é assim? Seria se na nossa sociedade não vivêssemos tantas incertezas nos relacionamentos descartáveis, onde as ameaças e medos de um fim no relacionamento não fosse o que movesse as vontades, onde o outro não desfizesse do sentimento e ameaçasse com finais e abandonos.  São formas de apropriação inevitáveis. Muito comum nas classes média e baixa vermos bares e restaurantes em que todas as pessoas da família trabalham. Porém, quando nessa família existe um pai ou um marido, o nome do empreendimento tem o nome do homem. Mulheres só dão nomes a bares e restaurantes quando elas trabalham sem auxílio de marido ou companheiro. Caso, contrário, o nome de fantasia é sempre o do homem. Essas mulheres encontram-se na cozinha ou nos serviços gerais trabalhando até mais que seus maridos e companheiros, que seus pais, mas são pessoas invisíveis, mulheres cuja mão de obra é associada ao nome do homem e não aos delas.  São mulheres que ajudam a crescer um empreendimento, mas que não são vistas. São trabalhadoras gratuitas em nome do que a gente considera a família tradicional, heterossexual e patriarcal, onde o homem comanda e se apropria da força de trabalho feminino.  Vemos ainda esse tipo de comportamento quando observamos casais jovens e pobres. O homem pobre se casa com uma mulher pobre, mas que tenha força de trabalho para construir com ele um patrimônio considerável que mais tarde dará a ele todo o status, poder econômico. Só que também é comum esse mesmo homem trocar sua companheira por outra que possa dar visibilidade a esse poder. Por isso as críticas feitas em sociedade aos homens que se casam com mulheres mais jovens, porque na maioria das vezes é uma relação de exibição de poder, trocas simbólicas de poder. São muitas as Ariadnes. E os homens também podem ser Ariadnes. Ariadne é uma condição do ser humano carente, que entrega tudo que tem, inclusive seu poder de barganha, sua força, sua mão-de-obra, em troca de um amor que possa ser correspondido. São pessoas que temem dizer Não e assim correr o risco de perder aquilo que talvez nunca tenham tido. São pessoas que doam presentes e tudo que possuem para conquistar um amor interesseiro, como vi recentemente um jovem senhor e um rapaz, onde aquele dava muitos presentes para o seu par, mas que continuava insatisfeito a sugar tudo que o outro podia dar em troca de um amor a La Ariadne. Talvez qualquer dia essas pessoas sejam largadas em alguma ilha, mas se não puderem contar com a força da própria espiritualidade não venham nunca a entender onde falharam e o que é o verdadeiro amor.

Laura Berquó

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