domingo, 26 de julho de 2015

REPORTAGEM DA FOLHA DE SÃO PAULO SOBRE GENOCÍDIO DA JUVENTUDE NEGRA - 17.03.2013



FOLHA DE SÃO PAULO

 
17/03/2013-03h10
Após denúncia de tortura, jovem é achada morta em prisão da PB
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REYNALDO TUROLLO JR.
ENVIADO ESPECIAL A JOÃO PESSOA
Uma presa de 19 anos foi encontrada morta no início deste mês no presídio feminino de João Pessoa, após se queixar ao Conselho Estadual de Direitos Humanos da Paraíba que sofria "tortura" na cela.
Segundo o relatório da vistoria feita na penitenciária Maria Júlia Maranhão em 17 de janeiro, a presa Adriana Paiva Rodrigues reclamava das ofensas de agentes penitenciários. "Era constantemente chamada de 'negra', 'macaca', 'picona' e 'presinha'", segundo o documento.
"Adriana ainda informa que durante o período no [regime] isolado já teria levado sete surras no total, tendo sido agredida na cabeça, razão pela qual hoje sofreria com convulsões", diz o relatório.
De acordo com a conselheira Laura Berquó, esse documento foi enviado à Secretaria da Administração Penitenciária antes de a presa morrer.
Adriana estava detida desde dezembro de 2011, sob acusação de desacato e dano ao patrimônio público.
Berquó afirma que o Conselho de Direitos Humanos estuda providências em relação ao caso.
OUTRO LADO
O corpo de Adriana foi encontrado pendurado na grade da cela do isolamento no último dia 4, informou a Secretaria da Administração Penitenciária da Paraíba.
Outras presas que estavam perto de Adriana relataram que a viram se suicidar, afirmou a pasta, em nota. A secretaria disse que aguarda o resultado da perícia para determinar as causas da morte.
Sobre o relatório do Conselho de Direitos Humanos, a secretaria informou, via assessoria, que recebeu as denúncias em janeiro e abriu sindicância para apurá-las.


17/03/2013-03h10
Sem achar alvo, bandidos matam jovem 'para não perder a viagem'
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DO ENVIADO A JOÃO PESSOA
Estudante, servente de pedreiro, capoeirista e negro, Edjackson da Silva Ferreira, 17, foi morto no último dia 20 no condomínio Amizade, onde morava com a mãe, na região do bairro do Valentina, zona sul de João Pessoa.
Pessoas próximas contam que criminosos de um condomínio inimigo, o Independência, conhecido como Torre de Babel, invadiram o local para matar seus rivais.
Ao não encontrar quem procuravam, atiraram no capoeirista para "não perder a viagem", relatam. "Jajá, como a gente o chamava, não era do tráfico", afirma o professor de capoeira João Paulo de Araújo Pereira, 28.
Segundo o professor, o rapaz se preparava para ir à escola, depois do trabalho, quando foi alvejado.
Desde 2008 Ferreira fazia aulas de capoeira no projeto Paratibe em Ação, coordenado por Pereira, e havia acabado de entrar no judô.
A rivalidade entre os condomínios na região do Valentina, considerada uma das mais violentas da capital paraibana, é antiga. Os conjuntos ficam próximos, separados por um declive que os moradores chamam de "buracão". Muitos jovens têm medo de passar ali.
Desde a morte de Ferreira, os condomínios trocam tiros para revidar a invasão, relatam moradores.
Até a semana passada, ninguém havia sido preso pelo homicídio de Ferreira.


Guerra entre 'EUA' e 'Al Qaeda' leva terror a João Pessoa
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REYNALDO TUROLLO JR.
ENVIADO ESPECIAL A JOÃO PESSOA
Bairros inimigos, condomínios populares que se atacam, brigas de torcidas. Capital líder em homicídios de negros do país, João Pessoa é uma cidade dividida.
No coração dos conflitos, centrados na periferia, estão grupos que controlam diferentes áreas da cidade: a "Okaida", nome inspirado na rede terrorista Al Qaeda, e os "EUA", inimigos da Okaida.
Nessa disputa batizada pelo principal conflito mundial deste século, a história se resume à luta pelo comando do tráfico ou de presídios, diz a polícia. Mas moradores da periferia relatam que o problema é mais profundo e se nutre da rivalidade entre bairros.
Sob ameaça de morte, jovens são proibidos de frequentar espaços visados por jovens de áreas rivais, ainda que não tenham ligação com o crime. Pichações das gangues marcam cenas de homicídios.
A briga entre torcidas organizadas também estimula a violência, dizem moradores. Apesar de torcerem para o mesmo time, o Botafogo-PB, a Torcida Jovem da Paraíba e a Fúria Independente são de bairros rivais, e mobilizam centenas de jovens.
Para a polícia, o ódio entre bairros é fomentado por traficantes para forçar jovens vulneráveis a entrar nas facções. "Perguntamos o por quê do encantamento com facções e o próprio jovem não sabe dizer", diz Andrezza Gomes, 22, da Pastoral do Menor.
MORTES DE NEGROS
João Pessoa registrou 518 mortes violentas em 2012. Para a Polícia Civil, metade está ligada ao tráfico e à disputa entre os grupos.
O Mapa da Violência 2012, que computa homicídios de 2010 registrados pelo SUS (Sistema Único de Saúde), mostra que, para cada homicídio de branco, 29 negros são mortos na cidade.
É a capital com a maior taxa de homicídios de negros do país: 140,7 por 100 mil negros. A taxa nacional é quatro vezes menor, 36.
O estudo considera negro a somatória de quem se declara preto e pardo ao IBGE.
O governo do Estado reconhece que os números apontam uma tendência, mas diz que pode haver diferença entre dados do IBGE, em que o entrevistado declara sua cor, e os do SUS, em que o médico atesta a cor da vítima.
Para o historiador e militante negro Danilo da Silva, a Paraíba vive um "genocídio" da população negra.
Não se trata, porém, de um confronto armado entre raças, mas de enfrentamento entre os próprios moradores da periferia da capital. Silva aponta a "omissão do Estado na periferia", que não se empenharia para resolver os crimes, como o componente que permite essa situação.
"É como se o envolvimento no tráfico justificasse tudo: morreu, foi coisa boa. Mas nem todos estão envolvidos." Estudante, pedreiro, capoeirista e negro, Edjackson da Silva Ferreira, 17, foi morto no último dia 20 no condomínio onde vivia com a mãe, no bairro do Valentina, um dos mais violentos da capital.
Moradores do condomínio rival invadiram o local e atiraram em Ferreira apenas para "não perder a viagem", porque não encontraram seus alvos, dizem pessoas próximas.
"Ele não era do tráfico", afirma o professor de capoeira João Paulo Pereira, 28. Desde então, tiros entre os condomínios são quase diários. Até semana passada, ninguém havia sido preso.






17/03/2013-03h00
Líderes de duas gangues foram presos, afirma a polícia
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DO ENVIADO A JOÃO PESSOA
De acordo com o delegado Isaías Gualberto, assessor de ações estratégicas da Secretaria de Segurança Pública, os líderes dos grupos "Okaida" e "EUA" já foram presos.
Segundo o delegado, das 518 mortes violentas registradas no ano passado, 284 foram elucidadas, o que fará a sensação de impunidade diminuir com o tempo e, com ela, a criminalidade.
A investigação melhorou, afirma o delegado, porque o governo do Estado aumentou o número de policiais civis na capital.
Sobre as mortes de negros em João Pessoa, o secretário da Segurança e da Defesa Social da Paraíba, Cláudio Lima, diz que os números do Mapa da Violência sobre esses homicídios em João Pessoa indicam uma tendência.
No entanto, o secretário afirma que essas informações não são exatas, pois a base são dados do Ministério da Saúde (SUS).
Segundo ele, pode haver discrepância entre os dados populacionais do IBGE, que trabalha com a autodeclaração da cor, e os de homicídios registrados pela rede do SUS, em que o médico precisa atestar a cor da vítima.
O Estado não registra a cor das vítimas, afirma o secretário, porque não há como um terceiro (um policial) estabelecer quem é negro.
Assim, não há dados do governo estadual sobre os números de mortes de negros na Paraíba.
"O recorte [feito pelo governo para ações de segurança pública] é o da idade [14 a 29 anos] e o da situação econômica. Coincidentemente, [os negros] estão dentro dessa faixa", afirma.
No entanto, o secretário diz que o Estado irá "analisar e enquadrar em ações futuras" reivindicações de grupos de direitos humanos que pedem por estatísticas e ações focadas especificamente na população negra.
De acordo com Lima, as mortes violentas em geral caíram 12,8% em João Pessoa de 2011, (quando foram registradas 594 casos) para 2012 (518), após dez anos consecutivos de alta.
O resultado, diz, foi obtido com "planos e metas de ações repressivas para cada unidade de polícia". O secretário da Segurança reconhece, porém, que as ações preventivas "ainda são muito tímidas".
Quanto à queixa de militantes do movimento negro de que a polícia não apura mortes na periferia da cidade, o delegado Gualberto afirma que a atual gestão fez o índice de elucidação de homicídios subir de 10% para 54,8% em dois anos.
17/03/2013-03h10
Ex-usuária de droga diz ter perdido 34 amigos em bairro de João Pessoa
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DO ENVIADO A JOÃO PESSOA
Perdi 34 amigos no meu bairro em um ano [2012]. A maioria a droga levou. A grande maioria era negra", relata Renata Wilma de Lima, 27, moradora do Mangabeira, maior bairro de João Pessoa.
"Estão matando não é só por causa da droga, mas por causa do conceito", revela.
"Se o 'boy' matar um, dois, três, aquilo ali é um conceito para ele. Vai ter uma moral dentro do bairro."
Separada, mãe de três filhos e ex-usuária de drogas, Renata tem planos de estudar e ser documentarista. Entre outras coisas, quer retratar sua comunidade, como afirma que já vem fazendo.
"Comecei a observar ao meu redor, meninos que eu vi crescer, peguei no braço. Comecei a ir a enterro, a ver aquelas cenas [de crimes] próximas de mim, e comecei a registrar [em fotos]", relata.

João Medeiros/Folhapress

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Renata Wilma de Lima, 27, moradora do Magabeira, maior bairro de João Pessoa, que disse ter perdido 34 amigos assassinados na cidade
Renata diz ter deixado as drogas há 12 anos, quando entrou no Centro da Juventude, espécie de oficina com vários cursos em Mangabeira, onde conheceu a capoeira.
Há alguns meses, conta, seu filho de 13 anos ia ao shopping com colegas quando precisou voltar às pressas para casa. No caminho, cruzou com outros jovens, no terminal de ônibus, que quiseram saber de onde ele era.
"''Ôxe, esse 'boy' é de Mangabeira, vamos quebrar.' Ele só não levou uma surra porque ele viu o [ônibus] 303 e correu para dentro", afirma.
Segundo o militante do movimento negro e jornalista Dalmo Oliveira da Silva, essa "cultura de violência" é recente em João Pessoa.
"É como se tivesse ocorrido uma espécie de importação de um modelo que acaba contribuindo para o glamour da bandidagem", declara.
No Mangabeira, o Centro da Juventude frequentado por Renata hoje é um prédio caindo aos pedaços, sem pintura e com fiação exposta.
A coordenação do local, ligada à prefeitura, informou que a reforma do imóvel atrasou, mas que está programada para começar em breve. (REYNALDO TUROLLO JR.)

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