O
mandamento “Não cobiçarás a mulher do próximo” é uma das exortações que
mais provoca discussões de várias espécies, levando-se em consideração a
figura popular do homem que é traído, como motivo de desmoralização
pessoal. A origem do “chifrudo” ou “corno” tem a sua raiz no Direito,
uma vez que as Ordenações Filipinas, de 1603, que vigoraram em nosso
país até a primeira metade do século XIX, determinava que o homem traído
assassinaria sua esposa (daí a origem da legítima defesa da honra),
assim como o amante da mesma, se fosse de condição social inferior a
sua. Se a perdoasse seria obrigado a desfilar em público com um chapéu
contendo dois chifres. Mas não queremos discorrer sobre o adultério que
envolve amantes que se amam de verdade, mas sim de mulheres que são
levadas a trair seus maridos, após se envolverem com “sedutores”,
verdadeiros Don Juans, homens especializados em viver diversas aventuras
sem assumir compromisso com ninguém e cujo currículum vitae revela
preferência por mulheres casadas ou que namoram, ou que estão sendo
cobiçadas por amigos ou outro homem de seu círculo social. É
interessante perceber também que ainda no histórico desses homens, eles
nunca poupam o marido traído, fazendo com que a relação extraconjugal se
torne do conhecimento de todos e para evitar maiores constrangimentos,
são obrigados a “desistir” de seu relacionamento. Também percebemos que
nesse caso a mulher é sempre posta como propriedade de alguém, daí a
necessidade de “esbulhar” a coisa alheia. Mas se para as pobres mortais o
peso de uma rejeição por um amante sedutor pode criar vários conflitos,
para o consolo de todas, eis o que se deu no Olimpo: nem mesmo a deusa
do amor e da beleza foi poupada da covardia de seu amante, um deus
guerreiro e ao mesmo tempo pusilâmine. Afrodite e Ares, ela era esposa
do feioso Hefesto, eram amantes e foram descobertos pela astúcia de
Hélio. Após a revelação, como todo sedutor aventureiro, Ares
simplesmente bateu em retirada e não assumiu o seu amor, razão pela qual
podemos concluir que o demérito não está nas qualidades da mulher. O
Kama Sutra, o Código do Amor Hindu, vulgarmente deturpado nos dias
atuais, mas cuja narrativa remonta ao século I d. C., é na verdade um
compêndio antropológico, que visa demonstrar também as implicações
sociais e políticas das relações amorosas, dentre as quais a do sedutor
com as mulheres casadas com homens influentes. Baudrillard, citando “O
Diário de Um Sedutor”, afirma que o fetiche do sedutor é colecionar
objetos mortos. Poucos se importam com o fim de suas presas, nem mesmo
com a vida das mulheres alvo de homens furiosos pela dor da traição. O
que talvez sirva de consolo para esses maridos, é que no desejo de
possuir a esposa alheia encontra-se um desejo homossexual inconsciente
que se manifesta na posse da “propriedade” de outrem. Como não há uma
forma consciente de submeter o outro macho, o sedutor contenta-se em
utilizar a mulher alheia, esta na condição de esposa, filha de alguém,
amante ou namorada. A relação sexual entre o sedutor e a mulher teria um
sentido de vassalagem. Por tudo isso, a compaixão que Jesus demonstra
pela mulher adúltera talvez seja um dos maiores ensinamentos deixados
para todos nós.
Laura Berquó
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