quinta-feira, 11 de junho de 2015

A MULHER DO PRÓXIMO


O mandamento “Não cobiçarás a mulher do próximo” é uma das exortações que mais provoca discussões de várias espécies, levando-se em consideração a figura popular do homem que é traído, como motivo de desmoralização pessoal. A origem do “chifrudo” ou “corno” tem a sua raiz no Direito, uma vez que as Ordenações Filipinas, de 1603, que vigoraram em nosso país até a primeira metade do século XIX, determinava que o homem traído assassinaria sua esposa (daí a origem da legítima defesa da honra), assim como o amante da mesma, se fosse de condição social inferior a sua. Se a perdoasse seria obrigado a desfilar em público com um chapéu contendo dois chifres. Mas não queremos discorrer sobre o adultério que envolve amantes que se amam de verdade, mas sim de mulheres que são levadas a trair seus maridos, após se envolverem com “sedutores”, verdadeiros Don Juans, homens especializados em viver diversas aventuras sem assumir compromisso com ninguém e cujo currículum vitae revela preferência por mulheres casadas ou que namoram, ou que estão sendo cobiçadas por amigos ou outro homem de seu círculo social. É interessante perceber também que ainda no histórico desses homens, eles nunca poupam o marido traído, fazendo com que a relação extraconjugal se torne do conhecimento de todos e para evitar maiores constrangimentos, são obrigados a “desistir” de seu relacionamento. Também percebemos que nesse caso a mulher é sempre posta como propriedade de alguém, daí a necessidade de “esbulhar” a coisa alheia. Mas se para as pobres mortais o peso de uma rejeição por um amante sedutor pode criar vários conflitos, para o consolo de todas, eis o que se deu no Olimpo: nem mesmo a deusa do amor e da beleza foi poupada da covardia de seu amante, um deus guerreiro e ao mesmo tempo pusilâmine. Afrodite e Ares, ela era esposa do feioso Hefesto, eram amantes e foram descobertos pela astúcia de Hélio. Após a revelação, como todo sedutor aventureiro, Ares simplesmente bateu em retirada e não assumiu o seu amor, razão pela qual podemos concluir que o demérito não está nas qualidades da mulher. O Kama Sutra, o Código do Amor Hindu, vulgarmente deturpado nos dias atuais, mas cuja narrativa remonta ao século I d. C., é na verdade um compêndio antropológico, que visa demonstrar também as implicações sociais e políticas das relações amorosas, dentre as quais a do sedutor com as mulheres casadas com homens influentes. Baudrillard, citando “O Diário de Um Sedutor”, afirma que o fetiche do sedutor é colecionar objetos mortos. Poucos se importam com o fim de suas presas, nem mesmo com a vida das mulheres alvo de homens furiosos pela dor da traição. O que talvez sirva de consolo para esses maridos, é que no desejo de possuir a esposa alheia encontra-se um desejo homossexual inconsciente que se manifesta na posse da “propriedade” de outrem. Como não há uma forma consciente de submeter o outro macho, o sedutor contenta-se em utilizar a mulher alheia, esta na condição de esposa, filha de alguém, amante ou namorada. A relação sexual entre o sedutor e a mulher teria um sentido de vassalagem. Por tudo isso, a compaixão que Jesus demonstra pela mulher adúltera talvez seja um dos maiores ensinamentos deixados para todos nós.

 Laura Berquó

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